terça-feira, 30 de outubro de 2007

análise: O Crime do Padre Amaro(1875) - Eça de Queirós (Vestibular UEL 2007)

O Crime do Padre Amaro

1. A vida de José Maria d’Eça de Queirós (1845-1900)

Nascido em Póvoa do Varzim, Eça de Queirós ingressou em 1861 na Universidade de Coimbra. Envolvendo-se com Antero de Quental e seu grupo, participa ativamente da implantação do realismo em Portugal. Formado, advoga e escreve para jornais. Em 1869 assiste à inauguração do Canal de Suez. Em 1872 ingressa no corpo diplomático, passando a trabalhar, como cônsul, fora de Portugal. Primeiro vai servir em Havana, Cuba, depois na Ing;aterra e, finalmente, em Paris, onde morre em 1900. Morreu aos 55 anos, deixando uma das mais importantes obras de toda a literatura luso-brasileira.

2. Primeira Fase: Aprendizado (1865 - 1871)

As primeiras obras de Eça de Queirós impressas foram textos em prosa poética intitulados Notas Marginais, publicados na Gazeta de Portugal em 1866 (depois publicadas como Prosas Bárbaras, em 1905). Influenciado por Victor Hugo, Michelet e Baudelaire, o estreante, carregando nas imagens, metáforas e comparações, envereda por temas históricos e já revela um certo anticlericalismo. Em parceria com Ramalho Ortigão (1836-1915), Eça publica, em folhetins no Diário de Notícias, durante o ano de 1870, o seu primeiro romance, O Mistério da Estrada de Sintra, escrito através de cartas enviadas ao jornal e que relatam um seqüestro na estrada de Sintra. Com a cumplicidade do jornal, os autores conseguiram enganar muitos leitores, que supunham as cartas e a história verdadeiras.

3. Segunda Fase: Realismo-Naturalismo (1871 - 1888)

Segundo Eça: “Outrora uma novela romântica, em lugar de estudar o homem, inventava-o. Hoje o romance estuda-o na sua realidade social. (...) Toda a diferença entre o idealismo e o naturalismo está nisto. O primeiro falsifica, o segundo verifica.” Foi seguindo estas premissas que escreveu as obras-primas do período naturalista, que já se anunciava nas Farpas (1871), e na conferência A Nova Literatura, apresentada no ciclo do Casino Lisbonense, no mesmo ano.

O Crime do Padre Amaro

Introdução
Primeiro romance realista da língua portuguesa, O Crime do Padre Amaro revelou o maior romancista português e chocou a sociedade da época com sua denúncia da hipocrisia social e religiosa
O Enredo
Romance anticlerical dos mais ferozes, é ambientado em Leiria, onde o Padre Amaro Vieira, ingênuo e psicologicamente um fraco, vai assumir sua paróquia. Hospedando-se na casa da Senhora Joaneira, acaba por se envolver sexualmente com sua filha, Amélia. Amaro conhece, então, o cinismo dos seus colegas, que em nada estranham sua relação com a jovem. Grávida, Amélia acaba por morrer no parto e Amaro entrega a criança a uma "tecedeira de anjos". Morta também a criança, Amaro, agora um cínico descarado, prossegue com a sua carreira. O romance, que critica violentamente a vida provinciana e o comportamento do clero, foi, durante décadas, leitura proibida em muitas escolas de Portugal e do Brasil.

As Personagens

A intenção de Eça ao escrever o Crime do Padre Amaro não era apenas a denúncia dos vícios do clero devasso, mas também apresentar a vida mesquinha da cidade provinciana portuguesa. Assim, só Amaro e Amélia, as personagens centrais, são criticadas pelo narrador. Também as personagens secundárias são utilizada para revelar as mazelas da sociedade em que estão inseridas.

O Padre Amaro Vieira
O protagonista do romance era filho de dois criados do marquês de Alegros. Perde os pais ainda criança e é educado no meio da criadagem da marquesa, o que faz com se torne "enredador. Muito mentiroso." A marquesa decide que se ele tornaria padre, e assim, aos quinze anos, é mandado ao seminário.
É um fraco tanto física quanto psicologicamente. Aceita o sacerdócio passivamente. Por influência do conde de Ribamar, obtém a paróquia de Leiria, onde se hospeda na casa da S. Joaneira. Lá conhece Amélia, filha de sua hospedeira, e ela torna-se sua amante. O ambiente da casa da marquesa, onde fora criado, e o seminário moldaram o caráter de Amaro. Já sacerdote em Leiria, espanta-se, no início, com o cinismo explícito dos seus colegas de batina, mas todas essas situações, somadas ao ambiente de servilismo beato da casa onde está hospedado, fazem com que ele se atole em ações desonrosas, como entregar seu filho a uma "tecedeira de anjos" e a criança acaba por morrer. No final do romance, ele tornou-se idêntico aos seus pares. Uma conversa entre Amaro e o cônego Dias, mostra, de forma clara, como Amaro e os outros eclesiásticos representam o clero sem vocação e hipócrita. Os dois estão refletindo sobre os excessos da Comuna, afirmam que seus seguidores merecem a masmorra e a forca porque não respeitam o clero e "destroem no povo a veneração pelo sacerdócio", caluniando a Igreja. Então, uma mulher provocante passa diante deles e ambos trocam olhares cúmplices. O cônego exclama: "- Hem, seu Padre Amaro?... Aquilo é que você queria confessar" E Amaro responde: " - Já lá vai o tempo, padre-mestre - disse o pároco rindo - já as não confesso senão casadas!"

Amélia Caminha

A co-protagonista do romance concentra, em sua figura, o resultado trágico de uma formação num meio provinciano e atrasado, centrado em torno do poder eclesiástico. A sua casa é um beatério, centro de convivência dos poderosos e amorais sacerdotes da cidade, em que impera a superficialidade dos rituais e uma deformação dos conceitos religiosos cristãos. Nesta sociedade, a Igreja é parte ativa do poder político, que a utiliza nas suas manobras eleitoreiras e lhe dá privilégios sociais, prestígio e poder.
Amélia vive, portanto, rodeada de cônegos e padres. Aos 23 anos, alta, forte e "muito desejada", possui um temperamento sentimental, romântico e fortemente sensual. Órfã de pai, sua mãe é amante do cônego Dias e ela é uma devota simplória e passiva, atraída pelo ritual católico. Namora João Eduardo, escrevente de cartório. Conhece, então, o Padre Amaro, pároco da Sé de Leiria, hóspede na casa de sua mãe. Apaixona-se e entrega-se a ele com total submissão. Fica grávida e esconde-se numa quinta próxima à cidade, acompanhada de uma fanática beata, irmã do cônego Dias. Recebe a visita do abade Ferrão, único sacerdote decente do romance. Ele tenta recuperá-la para uma vida normal e digna e quer tirá-la da influência nefasta de Amaro. No entanto, Amélia morre no parto.

Personagens secundárias

O narrador do romance, na terceira pessoa, apresenta as personagens secundárias com grande dose de ironia e uma certa antipatia. Como bem o colocou Benjami Abdala Jr:
“Fica muito clara a antipatia do narrador pelo círculo de amigos da S. Joaneira (Maria Assunção, Josefa Dias, Joaquina Gansoso e o beato homossexual Libaninho). O mesmo ocorre em relação aos colegas de Amaro (cônego Dias, padre Natário e padre Brito), pois o narrador parece convencido antecipadamente de seus vícios e grosseirias. O único religioso que se exclui desse círculo é o abade Ferrão, apresentado como uma personagem coerente com seus ideais. A ironia do narrador não é restrita aos religiosos, estendendo-se para o contexto social de Leiria.
Várias personagens são apresentadas de forma sarcástica: o jornalista Agostinho Pinheiro; o venal Gouveia Ledesma, o burguês reacionário Carlos. Nesse ambiente, João Eduardo, noivo de Amélia, enciumado com as atenções da moça ao padre Amaro, escreveu um anônimo “Comunicado” na Voz do Distrito, criticando a covivência de padres com amantes. Rompe-se o noivado: Amélia trona-se amante do padre Amaro.”

Análise da Obra

O REALISMO

O Realismo significou a aparição de uma série de temas novos, mas, sobretudo, uma maneira diferente de entender a literatura. O subjetivismo romântico foi substituído pela descrição da realidade externa. O escritor realista desejava retratar a realidade tal como era, sem deixar de lado nenhum aspecto, por mais desagradável que fosse. A base do romance realista é a relação entre o indivíduo e a sociedade. Através dos personagens, abordavam-se conflitos sociais: entre a burguesia e o proletariado, entre a sociedade urbana e a sociedade rural, entre a ideologia conservadora e a liberal e progressista. Os personagens eram estudados em detalhe. Segundo Eça de Queirós:

“Outrora uma novela romântica, em lugar de estudar o homem, inventava-o. Hoje o romance estuda-o na sua realidade social. Outrora no drama, no romance, concebia-se o jogo da paixões a priori; hoje analisa-se a posteriori, por processos tão exatos como os da própria fisiologia. Desde que se descobriu que a lei que rege os corpos brutos é a mesma que rege os seres vivos, que a constituição intrínseca duma pedra obedeceu às mesmas leis que a constituição do espírito de uma donzela, que há no mundo uma fenomenalidade única, que a lei que rege os movimentos dos mundos não difere da lei que rege as paixões humanas, o romance, em lugar de imaginar, tinha simplesmente de observar. A arte tornou-se o estudo dos fenômenos vivos e não a idealização das imaginações inatas. (...) Toda a diferença entre o idealismo e o naturalismo está nisto. O primeiro falsifica, o segundo verifica.”

O Realismo-naturalismo

O Realismo-naturalismo aparece por volta de 1870 como uma derivação do realismo. Recebeu profunda influência de algumas das teorias e doutrinas que estavam no auge naquele momento, sobretudo do materialismo e do determinismo. O Naturalismo considerava a vida do homem resultado de fatores externos (raça, ambiente familiar, classe social, etc.). Influenciado pelas ciências experimentais, o escritor naturalista tentava demonstrar, com rigor científico, que o comportamento humano está sujeito a leis semelhantes às que regem os fenômenos físicos. Se o realismo pretendia ser objetivo e imitar a realidade, o Naturalismo desejava fazer uma análise histórica, social e psicológica da realidade, um estudo profundo a partir de uma ampla documentação prévia.
O Crime do Padre Amaro é a primeira obra naturalista da língua portuguesa. O Realismo-naturalismo é cientificista e determinista, considerando que as ações humanas são produtos de leis naturais: do meio, das características hereditárias e do momento histórico. Portanto, os romances naturalistas, como O Crime da Padre Amaro, procuravam, através da representação literária, demonstrar teses extraídas de teorias científicas. Para isso, o Naturalismo buscou compor um registro implacável da realidade, incluindo seus aspectos repugnantes e grotescos.

A introdução do Realismo em Portugal

As idéias realistas foram introduzidas em Portugal por um grupo de jovens estudantes de Coimbra, liderados pelo poeta Antero de Quental (1842-1891). Em 1865, batendo-se pelas novas idéias realistas, Antero, Teófilo Braga (1843-1824) e seu grupo se envolvem numa polêmica com o escritor e tradutor romântico Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875), conhecida como Questão Coimbrã. Formam, então, uma fraternidade acadêmica, O Cenáculo, e, em 1871, organizam as Conferências Democráticas, no Casino Lisbonense. Encerradas pelo governo, que as temia subversivas, as conferências serviram para o grupo expôr suas idéias, influenciadas por Taine e Proudhon, sobre a necessidade de a arte retratar e revolucionar a sociedade burguesa. Entre os seguidores de Antero estava, desde a faculdade, o jovem Eça de Queirós, que iria introduzir o Realismo na prosa portuguesa com O Crime do Padre Amaro.

AS “CENAS DA VIDA PORTUGUESA”
Eça de Queirós tinha a intenção, nos romances da sua fase naturalista, de pintar um quadro crítico da vida portuguesa. Em famosa carta a Teófilo Braga, na qual o romancista explica suas intenções ao escrever o romance O Primo Basílio, deixa claro que pretende compor um cenário de todas as mazelas da sociedade portuguesa de seu tempo:

“A minha ambição seria pintar a sociedade portuguesa tal qual a fez o Constitucionalismo desde 1830 e mostrar-lhe, como num espelho que triste país eles formam - eles e elas. É o meu fim nas “Cenas da Vida Portuguesa”. É necessário acutilar o mundo oficial, o mundo sentimental, o mundo literário, o mundo agrícola, o mundo supersticioso - e, com todo respeito pelas instituições de origem eterna, destruir as falsas interpretações e falsas realizações que lhe dá uma sociedade podre. Não lhe parece você que um tal trabalho é justo?”

Assim, Eça aborda, em O Crime do Padre Amaro, o clero devasso e a pequena burguesia da província; em O Primo Basílio, a burguesia lisboeta e a instituição do casamento; em Os Maias, a aristrocacia decadente e a alta sociedade preconceituosa; em A Capital, o jornalismo, a política e a literatura.

DA PUBLICAÇÃO

A primeira versão do romance foi publicada entre 15 de fevereiro e 15 de maio de 1875, na Revista Ocidental, quinzenário fundado por Oliveira Martins. Antero de Quental era diretor literário e Jaime Batalha Reis, secretário da revista. Antes de viajar para Newcastle, Eça deixara o original do romance com eles, mas queria revisá-lo à medida que as provas impressas fossem chegando. O problema é que as emendas e os acréscimos eram extensos e em grande quantidade e a distância entre Portugal e Inglaterra, enorme, o que prejudicava a periodicidade da revista e atrapalhava os prazos para a publicação. Além disso, algumas passagens consideradas muito realistas foram cortadas à revelia do autor, possivelmente por Antero de Quental, que não aceitava os aspectos crus do realismo literário. Eça de Queirós ficou furioso e solicitou aos editores repetidas vezes, por carta e telegrama, que fossem mandadas a ele as provas de página e se suspendesse a publicação, já que ele não autorizava a publicação do resto do romance sem antes rever as provas: "As emendas que fiz são consideráveis e complicadas: e se um trabalho - onde o estilo já de si é afetado e amaneirado, todo cheio de pequenas intenções e tão dependente da pontuação - ajuntamos os erros tipográficos - temos um fiasco deplorável". E em outra carta a Batalha Reis mostra o quanto estava irado: "... estou verdadeiramente indignado. Pois quê? Eu dou-vos um borrão do romance - e vocês em lugar de publicar o romance publicam o borrão!"
Embora contrariado, Eça não consegue impedir "a publicação do borrão" e decide: "calar, emendar, refazer tranqüilamente o romance, e publicá-lo num volume - que se pertença e responda por si." Ele pede a Batalha Reis que lhe remeta os capítulos suprimidos na revista e no mesmo mês que a revista termina a publicação do romance, Eça finaliza O Crime do Padre Amaro para publicação em livro. A primeira edição, de 1876, é financiada por seu pai, dr. José Maria de Almeida Teixeira de Queirós e sua tiragem foi de apenas 800 exemplares.

A ACUSAÇÃO DE PLÁGIO

Muitos críticos, ao abordarem O Crime do Padre Amaro, quando de sua publicação, acusaram Eça de Queirós de ter plagiado o grande mestre da corrente naturalista, o romancista francês Émile Zola. Entre esses, está Machado de Assis, que, em crítica a O Primo Basílio, publicada na revista O Cruzeiro, em 16 de abril de 1878, assim se refere ao primeiro livro de Eça:

"O Crime do Padre Amaro revelou desde logo as tendências literárias do Sr. Eça de Queirós e a escola a que abertamente se filiava. O Sr. Eça de Queirós é um fiel e aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor do Assommoir. Se fora simples copista, o dever da crítica era deixá-lo, sem defesa, nas mãos do entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo; mas é homem de talento, transpôs ainda há pouco as portas da oficina literária; e eu, que lhe não nego a minha admiração, tomo a peito dizer-lhe francamente o que penso, já da obra em si, já das doutrinas e práticas, cujo iniciador é, na pátria de Alexandre Herculano e no idioma de Gonçalves Dias.
Que o sr. Eça de Queirós é discípulo do autor do Assommoir, ninguém há que o não conheça. O próprio Crime do Padre Amaro é imitação do romance de Zola, La Faute de l'Abbé Mouret. Situação análoga, iguais tendências; diferença do meio; diferença do desenlace; idêntico estilo; algumas reminiscências, como no capítulo da missa, e outras; enfim, o mesmo título. Quem os leu a ambos, não contestou decerto a originalidade do Sr. Eça de Queirós, porque ele a tinha, e tem, e a manifesta de modo afirmativo; creio até que essa mesma originalidade deu motivo ao maior defeito na concepção do Crime do Padre Amaro. O Sr. Eça dc Queirós alterou naturalmente as circunstâncias que rodeavam o padre Mouret, administrador espiritual de uma paróquia rústica, flanqueado de um padre austero e ríspido; o padre Amaro vive numa cidade de província, no meio de mulheres, ao lado de outros que do sacerdócio só têm a batina e as propinas; vê-os concupiscentes e maritalmente estabelecidos, sem perderem um só átomo de influência e consideração. Sendo assim, não se compreende o terror do padre Amaro, no dia em que do seu erro lhe nasce um filho, e muito menos se compreende que o mate. Das duas forças que lutam na alma do padre Amaro, uma é real e efetiva - o sentimento da paternidade; a outra é quimérica e impossível - o terror da opinião, que ele tem visto tolerante e cúmplice no desvio dos seus confrades; e não obstante, é esta a força que triunfa. Haverá aí alguma verdade moral?
Ora bem, compreende-se a ruidosa aceitação do Crime do Padre Amaro. Era realismo implacável, conseqüente, lógico, levado à puerilidade e à obscuridade. Víamos aparecer na nossa língua um realista sem rebuço, sem atenuações, sem melindres, resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, unia tradição acabada. Não se conhecia no nosso idioma aquela reprodução fotográfica e servil das coisas mínimas e ignóbeis. Pela primeira vez, aparecia um livro em que o escuso e o - digamos o próprio termo, pois tratamos de repelir a doutrina, não o talento, e menos o homem, - em que o escuso e o torpe eram tratados com um carinho minucioso e relacionados com uma exação de inventário. A gente de gosto leu com prazer alguns quadros, excelentemente acabados, em que o Sr. Eça de Queirós esquecia por minutos as preocupações da escola; e, ainda nos quadros que lhe destoavam, achou mais de um rasgo feliz, mais de uma expressão verdadeira a maioria, porém, atirou-se ao inventário. Pois que havia de fazer a maioria, senão admirar a fidelidade de um autor, que não esquece nada, e não oculta nada? Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha. Quanto à ação em si, e os episódios que a esmaltam, foram um dos atrativos do Crime do Padre Amaro, e o maior deles; tinham o mérito do pomo defeso. E tudo isso, saindo das mãos de um homem de talento, produziu o sucesso da obra."

É importante notar que Machado não critica apenas as semelhanças entre o livro de Zola e o de Eça. A sua grande restrição ao livro português se dá quanto ao seu estilo. Nessa crítica, Machado há de se colocar frontalmente contra o estilo Naturalista, antecipando o Realismo Psicológico, que haveria de inaugurar no Brasil com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881.
Eça de Queirós, no entanto, responde a seus críticos, como Machado, ao escrever a nota introdutória à segunda edição do livro, em 1880:
"O Crime do Padre Amaro recebeu no Brasil e em Portugal alguma atenção da critica, quando foi publicado ulteriormente um romance intitulado O Primo Basílio. E no Brasil e em Portugal escreveu-se (sem todavia se aduzir nenhuma prova efectiva) que O Crime do Padre Amaro era uma imitação do romance do sr. E. Zola - La Faute de l'Abbé Mouret; ou que este livro do autor do Assomoir e de outros magistrais estudos sociais sugerira a ideia, as personagens, a intenção de O Crime do Padre Amaro. Eu tenho algumas razões para crer que isto não é correcto.
O Crime do Padre Amaro foi escrito em 1871, lido a alguns amigos em 1872, e publicado em 1874. O livro do sr. Zola, La Faute de l'Abbé Mouret (que é o quinto volume da série Rougon Macquart), foi escrito e publicado em 1875. Mas (ainda que isto pareça sobrenatural) eu considero esta razão apenas como subalterna e insuficiente. Eu podia, enfim, ter penetrado no cérebro, no pensamento do sr. Zola, e ter avistado, entre as formas ainda indecisas das suas criações futuras, a figura do abade Mouret…
O que, segundo penso, mostra melhor que a acusação carece de exactidão, é a simples comparação dos dois romances…
Os criticos inteligentes que acusaram o Crime do Padre Amaro de ser apenas uma imitação da Faute de l'Abbé Mouret não tinham infelizmente lido o romance maravilhoso do sr. Zola, que foi talvez a origem de toda a sua glória. A semelhança casual dos dois titulos induziu-os em erro. Com conhecimento dos dois livros, só uma obtusidade córnea ou uma má fé cinica poderia assemelhar esta bela alegoria idilica, a que está misturado o patético drama de uma alma mistica, ao Crime do Padre Amaro, que, como podem ver neste novo trabalho, é apenas, no fundo, uma intriga de clérigos e de beatas tramada e murmurada à sombra de uma velha Sé de província portuguesa.

Organização: Professor Francisco Muriel.

Análise: O Sertanejo(1875) - José de Alencar (Vestibular Uel 2007)

O Sertanejo – José de Alencar
CRONOLOGIA DO AUTOR:
1° de maio de 1829: nasce José Martiniano de Alencar Júnior, filho de José Martiniano de Alencar (deputado pela província do Ceará e padre, na época) e Ana Josefina de Alencar (prima legítima do deputado e padre), no Sítio Alagadisso Novo (localizado na Friguizia di Mecejana, Ceará);
1830: Embarca com a família para o Rio de Janeiro, onde o pai assumiria o cargo de senador. Retorna a Fortaleza em 1834, época em que José Martiniano (pai) fora eleito governador do Ceará. Aos dez anos, muda-se, definitivamente, para o Rio (o pai é, outra vez, senador; Alencar começa os estudos no Colégio de Instrução Elementar);
1844: Vai a São Paulo, preparar-se para os exames na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (inicia o curso em 1846). Forma-se advogado em 1850, exercendo a profissão, no Rio de Janeiro, a partir do ano seguinte;
1854: Estréia como jornalista, assinando a seção ``Ao correr da pena'' (crônicas), no Correio Mercantil. Permanece até 1855, seguindo carreira jornalística e iniciando-se na literária no Diário do Rio de Janeiro;
1856: Sai, em folhetins, o romance Cinco Minutos, obra inaugural do escritor. Até a segunda metade da década de 1870, José de Alencar fomenta uma obra que perpassa os universos indianista, urbano, histórico e regionalista;
1857: Inicia a produção teatral com a peça Verso e Reverso. Até 1861, consolida-se no teatro nacional;
1860: Morre o pai do escritor.
1861: É eleito deputado geral pelo Ceará (reelege-se outras três vezes: 1869-72, 1872-75, 1876-77). Em 1868, chegou a Ministro da Justiça. Só não conseguiu assumir o cargo de senador, para o qual foi eleito em 1869, porque teve o nome vetado pelo imperador Pedro II;
1864: Casa-se com Georgiana Augusta Cochrane de Alencar, filha de um médico inglês. Com ela, teve seis filhos: Augusto, Clarisse, Ceci, Elisa, Mário e Adélia.
12 de dezembro de 1877: Morre no Rio de Janeiro, aos 49 anos, sucumbido pela

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS e PRINCIPAIS OBRAS

José de Alencar é considerado o maior romancista do Romantismo brasileiro, bem como um dos maiores de nossa literatura. Abrangeu em sua obra todo um perfil da cultura brasileira, na busca de uma identidade nacional que transcorresse o seus aspectos sociais, geográficos e temáticos, numa linguagem mais brasileira, tropical, sem o estilo português, que até então rodeava os livros de outros romancistas. Conseguiu escrever de forma primorosa sobre os mais importantes temas que estavam em voga na literatura da época, descrevendo desde a sociedade burguesa do Rio até o índio ou o sertanejo das regiões mais afastadas. Toda a sua extensa gama de romances pode ser dividida em quatro temas distintos: romance urbano, romance indianista, romance regionalista e romance histórico.
O romance urbano de Alencar segue muitas vezes o padrão do típico romance de folhetim, retratando a alta sociedade carioca com todas as suas belas fantasias de amor. O romancista, no entanto, vai além: por trás de toda a pompa e final feliz onde todos os segredos e suspenses que se desenvolvem nas complicadas tramas são desvendados, está a crítica, a denúncia da hipocrisia, da ambição e desigualdade social. Alencar se especializou também na análise psicológica de suas personagens femininas, revelando seus conflitos interiores. Essa análise de caráter mais psicológico do interior das personagens remete sua obra a características peculiares dos romances realistas, sobretudo de Machado de Assis. Estes são seus romances urbanos: Cinco Minutos, A Viuvinha, Lucíola, Diva, A Pata da Gazela, Sonhos d'Ouro, Senhora [ver Antologia] e Encarnação.
As obras indianistas revelam sua paixão romântica pelo exotismo, encarnado na figura do índio, com todos os seus costumes, crenças e relações sociais. Sua descrição sempre se opõe à imagem do homem branco, "estragado" e corrompido pelo mundo civilizado. O índio de José de Alencar ganha tons lendários e míticos, com ares de "bom selvagem". Sua descrição muitas vezes funde seus sentimentos com a beleza e a harmonia exótica da natureza. Caracterizando a bondade, nobreza, valentia e pureza do selvagem, Alencar às vezes o aproxima dos cavaleiros e donzelas medievais, revelando um pouco dos traços românticos europeus que assolavam nossa cultura. Seus romances indianistas são: O Guarani [ver Antologia], Iracema [ver Antologia] e Ubirajara.
Seus romances regionalistas denotam o interesse e o exotismo pelas regiões mais afastadas do Brasil, aliando os hábitos sociais da vida do homem do campo à beleza natural das terras brasileiras. Se nos romances urbanos as mulheres são sempre enfatizadas, nas obras de cunho regional os homens são figuras de destaque, com toda a sua ignorância e rudeza, enfrentando os desafios da vida, sendo que as mulheres assumem papéis submissos, de segundo plano. Seus romances regionalistas são: O Gaúcho [ver Antologia], O Tronco do Ipê, Til e O Sertanejo.
Com seus romances históricos – As Minas de Prata e A Guerra dos Mascates – Alencar também buscou na passado histórico brasileiro inspiração para escrever seus romances, criando quase sempre uma nova interpretação literária a fatos marcantes da colonização, como o busca por ouro no interior do Brasil e as lutas pelo aumento das terras nas fronteiras brasileiras. Seus enredos denotam em vários momentos um nacionalismo exaltado e o orgulho pela construção da pátria.
Análise tradicional do Sertanejo.

As análises tradicionais das narrativas, principalmente os Romances Românticos do século XIX, consistem geralmente em, a priori, a investigar a vida do autor e os acontecimentos, de níveis locais e universais, de seu tempo. Em posteriori, focar-se no interior (conteúdo) da obra e dela extrair os seguintes elementos com o máximo de minúcias possíveis. São eles: Narrador, tempo, espaço, personagens e o enredo.
O Narrador: a história é narrada em terceira pessoa, por um narrador uniciente (que de tudo sabe) e observador (que não participa da história). Podemos dizer que nesta obra o narrador confunde-se com o próprio autor, pois ambos nasceram no sertão, o Estado é o mesmo. Esse narrador anseia por voltar a ver o sertão de minha terra nata. Isso nos dá indício de que ele o narrador está longe recordando o acontecido. Quando te tornarei a ver, sertão da mina terra, que atravessei há muitos anos na aurora serena e feliz infância?. Ele se mostra um grande conhecedor dos costumes e da geografia local. Assim o primeiro capítulo do “O Sertanejo” mostra os costumes e atividades do homem do sertão assim como sua forte ligação com a terra e a natureza.
O Tempo: O narrador data a chegada do comboio na fazenda como dez de dezembro de 1764. Vale lembrar que a corrida do ouro no Brasil data de 1705, a chegado do café, 1770, a inconfidência,1790, e a guerra de independência dos Estados Unidos, 1775.
O Espaço: O sertão de Quexeramobim na Serra de Santa Maria, Ceará.
Esta imensa campina... aí campeia o destemido vaqueiro cearence.
*Curiosidade: Chico Buraque de Iolanda, em sua música “Até o Fim”, menciona a cidade citada no livro. Porém, não se sabe se por influência da obra ou se por mera coincidência: confira um terchio da música:
(...) Eu bem que tenho ensaiado um progresso, Virei cantor de festim, Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso, Em Quixeramobim, Não sei como o maracatu começou, Mas vou até o fim.
Personagens: capitão-mor Gonçalo Pires Campelo, sua esposa Genoveva, D. flor, Arnaldo, a criada Justa, o velho Jó, Aleixo Vargas (o Moirão), Marcos Fragoso e Leandro Barbilho.
O Enredo: com belas e radiantes cores a paisagem do sertão um destemido vaqueiro, a serviço capitão-mor, Arnaldo que enfrenta os mais sérios riscos na esperança de constar a simpatia da filha do fazendeiro. Arnaldo tem destaque nas cavalhadas a maneira medieval. Marcos Fragoso se faz seu único rival. Afinal Dona Flor é prometida a Leandro Barbilho. No instante casamento, surge os inimigos de Campelo. Encerra o tiroteio, morre Leandro Barbilho, Dona Flor lamente enquanto Arnaldo tenta consolá-la. O trecho selecionado permitirá a análise do relacionamento existente entre Arnaldo e D. Flôr. Possibilitando-nos a comparação com o trecho de Inocência. "Já tinham soado no sino da capela as últimas badaladas do toque de recolher. Por toda a fazenda da Oiticica , sujeita a um certo regime militar, apagavam-se os fogos e cessava o burburinho da labutação quotidiana. Só nas noites de festa dispensava o capitão-mor essa rigorosa disciplina, e dava licença oara is sanbasm que então por desforra atravessavam de sol a sol. Era uma noite de escuro; mas como o são as noites do sertão, recamadas de estrelas rutilantes, cujas centelhas se cruzam e urdem como a finíssima teia de uma lhama acetinada. A casa principal acabava de fechar-se e das portas e janelas apenas escapavam-se pelos interstícios uma réstias de luz, que iam a pouco extinguindo-se . Nesse momento um vulto oscilou na sombra, e coseu-se à parece que olhava para o nascente. Era Arnaldo. Resvalando ao longo do outão, chegara à janela do camarim de D. Flôr, e uma força irresistível o deteve ali. No gradil das rótulas recendia um breve perfume, como se por ali tivesse coado a brisa carregada das exalações da baunilha. Arnaldo adivinhou que a donzela antes de recolher-se, viera respirar a frescura da noite e encostara a gentil cabeça na gelosia , onde ficara a fraguância de seus cabelos e de sua cútis acetinada. Então o sertanejo, que não se animaria nunca a tocar esses cabelos e essa cútis, beijou as grades para colher aquela emanação de D. Flôr, e não trocaria decerto a delícia daquela adoração pelas voluptuosas carícias da mulher mais formosa. Aplicando o ouvido percebeu o sertanejo no interior do aposento um frolico de roupas, acompanhado pelo rumor de um passo breve e sutil. D. Flôr volvia pelo aposento. Naturalmente ocupada nos vários aprestos do repouso da noite. Um doce sussuro,como da abelha ao seio do rosal, advertiu a Arnaldo que a donzela rezava antes de deitar-se e involuntariamente também ajoelhou-se para rogar a Deus por ela. Mas acabvou suplicando a flôr perdão para a sua ternura. Terminada a prece a donzela aproximou-se do leito. O amarrotar das cambraias a atulharem-se indicou ao sertanejo que Flor despia as suas vestes e ia trocá-las pela roupa de dormir. Atraves das abas da janela, que lhe escondiam o aposento, enxergou com os olhos d'álma a donzela, naquele instante em que os castos véus a abandonavam; porém seu puro o céu azul ao deslize de uma nuvem branca de jaspe surgisse uma estrela. A trepidação da luz cega; e tece um véu cintilante, porém mais espesso do que a seda e o linho. Cessaram de todo os rumores do aposento, sinal de que D.Flôr se havia deitado/ Ouvindo um respiro brando e sutil como de um passarinho, conheceu Arnaldo que a donzela dormia o sono plácido e feliz. Só então afastou-se para acudir ao emprazamento que recebera"
Recomenda-se uma análise a luz da teoria dos actantes (Modelo Actancial de Greimas)


Organização: Professor Francisco Muriel

Análise: Os Lusíadas(1572) - Camões(Vestibular UEL 2007)

Os Lusíadas (1572)

NARRAÇÃO

A narração consiste, portanto, na maior parte do poema. Inicia-se "In Media Res", ou seja, em plena ação. Vasco da Gama e sua frota se dirigem para o Cabo da Boa Esperança, com o intuito de alcançarem a Índia pelo mar. Auxiliados pelos deuses Vênus e Marte e perseguidos por Baco e Netuno, os heróis lusitanos passam por diversas aventuras, sempre comprovando seu valor e fazendo prevalecer sua fé cristã. Ao pararem em Melinde, ao atingirem Calicute, ou mesmo durante a viagem, os portugueses vão contando a história dos feitos heróicos de seu povo.
Completada a viagem, são recompensados por Vênus com um momento de descanso e prazer na Ilha dos Amores, verdadeiro paraíso natural que em muito lembra a imagem que então se fazia do recém descoberto Brasil.


ESTRUTURA NARRATIVA

O poema se estrutura através de uma narrativa principal, que apresenta a
viagem da armada de Vasco da Gama. A esse fio narrativo condutor é incorporada inicialmente a narração feita por Vasco da Gama ao rei de Melinde, em que conta a história de Portugal até a sua própria viagem. Na voz do Gama, ouvem-se os feitos dos heróis portugueses anteriores a ele, como Dom Nuno Álvares Pereira, o caso de amor trágico de Inês de Castro, o relato de sua própria partida, com o irado e premonitório discurso do Velho do Restelo e o episódio do Gigante Adamastor, representação mítica do Cabo da Boa Esperança.
Em seguida são acrescentadas as narrativas feitas aos seus companheiros
pelo marinheiro Veloso, que relata o episódio dos Doze da Inglaterra. Por fim,
já na Índia, Paulo da Gama, irmão de Vasco, conta ainda outros feitos heróicos
portugueses ao Catual de Calicute.
A estrutura narrativa do poema é composta, portanto, por três narrativas
remetendo à história de Portugal, interligadas pela narração da viagem de Vasco
da Gama.
CANTO I

Proposição, invocação, início da narração (rápida referência ao fato de que os portugueses já navegavam no Oceano Índico); Consílio dos Deuses no Olimpo; em Moçambique, Quiloa e Mombaça, ciladas de Baco contra os navegadores e intervenções de Vênus e das Nereidas a favor dos portugueses; reflexões morais do poeta.

CANTO II

Em Mombaça, narram-se as maquinações e as intervenções de Vênus e das Nereidas; Vênus sobe ao Olimpo e queixa-se a Júpiter, que profetiza os feitos lusos; chegada a Melinde, onde os portugueses são bem recebidos.

CANTO III

Vasco da Gama invoca a inspiração de Calíope e inicia a narração da história de Portugal, destacando os primeiros heróis (Luso e Viriato), a fundação do País e os reis de Portugal, as batalhas de Ourique e salado e o episódio lírico-amoroso de Inês de Castro.

CANTO IV

Vasco da Gama prossegue a narração da história de Portugal: a batalha de Aljubarrota (centralização monárquica – início da Dinastia de Avis). As primeiras conquistas, a Tomada de Ceuta, o sonho profético de D. Manuel, que confia a Vasco da Gama o descobrimento do caminho marítimo para as Índias. A partir desse ponto, Vasco da Gama passa a narrar a própria viagem, a partida das naus e a advertência do Velho do Restelo (censura às navegações, representando a sobrevivência da ideologia medieval, feudal e conservadora).

CANTO V

Vasco da Gama conclui a narrativa da sua viagem. Fala do Cruzeiro do Sul, do fogo-de-santelmo, da tromba marítima, do episódio cômico do Veloso e do Gigante Adamastor(monstro de pedra que personifica o Cabo das Tormentas, simbolizando a superação do medo do “Mar Tenebroso”). De novo em Melinde, Vasco da Gama exalta a tenacidade portuguesa. Aqui se encerra o primeiro ciclo épico. Camões recrimina os portugueses pelo seu desapego à poesia.

CANTO VI

Camões retoma a narração da viagem de Melinde para as Índias. Os deuses reúnem-se no Palácio das Nereidas para o Consílio dos Deuses Marinhos. A bordo das naus, os portugueses se entretêm com a narrativa cavaleiresca do episódio dos Doze da Inglaterra (inspirada em torneios da cavalaria medieval). Meditações do poeta sobre o verdadeiro valor da glória.

CANTO VII

Os portugueses chegam a Calicute, na Índia. Camões descreve o Oriente exótico.

CANTO VIII

Paulo da Gama, atendendo a um pedido do catual (autoridade regional da Índia), explica o significado das bandeiras de Portugal e refere-se aos heróis portugueses e aos seus feitos. Camões narra os perigos enfrentados no oriente. Vasco da Gama é feito prisioneiro e é resgatado em troca de mercadorias européias. Camões tece considerações sobre a onipotência do ouro.

CANTO IX

Os portugueses iniciam a viagem de regresso. Vênus e as Ninfas preparam a “Ilha dos Amores”, prêmio e repouso para os navegadores. É a fusão dos planos histórico e mitológico.

CANTO X

Na “Ilha dos Amores”, Tétis e as Ninfas oferecem um banquete aos navegadores. Tétis mostra a Vasco da gama uma miniatura do Universo (a “Máquina do Mundo”), apontando os lugares onde os portugueses iriam praticar grandes feitos. Camões narra o episódios de São Tomé, em que se fundem o “maravilhoso cristão” (bíblico) e o “maravilhoso pagão” (mitológico) e o plano histórico. Tétis despede-se dos portugueses. Regresso à pátria. Camões lamenta a decadência de Portugal (Epílogo), faz exortação a D. Sebastião e vaticina as futuras glórias.


Através das pesquisas realizadas, concluiu-se que Camões retorna à cultura da Antigüidade Greco-romana ao metrificar perfeitamente os versos de sua epopéia, usando de uma forma constante versos com rima ABABABCC, sendo todos decassílabos heróicos e sáficos, formando estrofes com oito versos. Leva-nos, ainda, a constatar que se trata de uma obra que se deixa influencia pelo molde Clássico a escolha da epopéia, usando como modelos textos a exemplo da Odisséia e da Ilíada, de Homero. Vasco da Gama, o herói da narrativa, constitui, também, uma característica clássica, pois simboliza o poder transformador do homem sobre o mundo. Outro registro de que Camões se apóia a todo instante na tradição grega e latina da Antigüidade é a constante evocação dos deuses dos respectivos povos, registro do paganismo da época.





faz partes paganismo e serviu como base para observarmos o existente naquela sociedade na época, e, apesar disso, foi perceptível a grande valorização do humano, sendo este visto como um ser capaz e virtuoso.
Nas artes, o mesmo ponto de vista é refletido: tanto o homem era esculpido como forte, bem feito de corpo e rosto, como eram retratadas figuras míticas, endeusadas, com as mesmas características humanas. Na literatura, epopéias narravam grandes feitos de homens que tomavam a frente de sua gente, conquistando outras terras e povos. Para os clássicos, a beleza morava na perfeição, sendo perseguida arduamente. Uma escultura ou um texto só tinha valores artísticos se respeitassem certas normas.

Análise dos Cantops (uel)


Canto IV - Vasco da Gama continua narrando ao de Melindre a história dos reis portugueses, começa pelo enterro de D Fernando, que deixara como herdeira uma filha casada com o infante de Castela (Espanha), que depois da morte do pai quis anexar as terras portuguesas às de seu esposo. Porém um irmão bastardo requerio para si o trono de D. Fernando, chamava-se D. João e após longa batalha contra os de Castela - o que foi apoiado por países já em conflitos sobretudo Inglaterra e França - consegui derrotá-los após três batalhas sendo a principal a Segunda, Aljubarrota, a qual os portugueses expulsaram os invasores de suas terra. Esta vitória deu origem da Dinastia de Avis.(EST: 28-44).
28 - ( Começa a batalha )
"Deu sinal a trombeta Castelhana,
Horrendo, fero, ingente e temeroso;
Ouviu-o o monte Artabro, e Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso;
Ouviu-o o Douro e a terra Transtagana;
Correu ao mar o Tejo duvidoso;
Destaca-se nessa Batalha a figura de Nuno Alvares, chamado por Vasco da Gama de Pereira.
30 - ( Proeza de Nuno Álvares Pereira )
"Começa-se a travar a incerta guerra;
De ambas partes se move a primeira ala;
Uns leva a defensão da própria terra,
Outros as esperanças de ganhá-la;
Logo o grande Pereira, em quem se encerra
Todo o valor, primeiro se assinala:
Derriba, e encontra, e a terra enfim semeia
Dos que a tanto desejam, sendo alheia.
Após a expulsão dos inimigos vem as primeiras conquistas territoriais, as terras de Celta, hoje localizada no Estreito de Gilbratar (EST: 48-50)
48 - ( Tomada de Ceuta por Dom João I )
"Não sofre o peito forte, usado à guerra,
Não ter amigo já a quem faça dano;
E assim não tendo a quem vencer na terra,
Vai cometer as ondas do Oceano.
Este é o primeiro Rei que se desterra
Da Pátria, por fazer que o Africano
Conheça, pelas armas, quanto excede
A lei de Cristo à lei de Mafamede.
Vasco da Gama conta a histórias dos Reis D. Afonso V, D. João II e D. Manuel, quem tem um sonho profético de que fosse-se buscar no Oriente um alargamento das terras portuguesas. Esta Empresa é confiada a Vasca Da Gama.
76 - ( Reúne D. manuel e seu conselho )
"Chama o Rei os senhores a conselho,
E propõe-lhe as figuras da visão;
As palavras lhe diz do santo velho,
Que a todos foram grande admiração.
Determinam o náutico aparelho,
Para que com sublime coração
Vá a gente que mandar cortando os mares
A buscar novos climas, novos ares.
São dado os Adeuses em Belém onde um velho faz visões proféticas sobre a viagem e divaga sobre a ambição portuguesa.
94 - ( O velho do Restelo )
"Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito



Canto IX: Este canto inicia-se com o impedimento de dois feitores portugueses, encarregados de vender mercadoria, voltarem às naus portuguesas. O intuito desta manobra é esperar a chegada de uma frota muçulmana vinda de Meca. Porém um dos Indianos (Moçaide) avisa o comandante português que inicia sua partida com nobres vendedores indianos na nau o que futuramente será negociado com os dois tripulantes em terra.
12 - ( Troca dos reféns )
Manda logo os feitores Lusitanos
Com toda sua fazenda livremente
Apesar dos inimigos Maumetanos,
Por que lhe torne a sua presa gente.
Desculpas manda o Rei de seus enganos;
Recebe o Capitão de melhor mente
Os presos que as desculpas, e tornando
Alguns negros, se parte as velas dando.
Após as trocas de reféns as naus partem em regresso à Pátria carregado de novas especiarias.
17 - ( Alegria dos nautas por voltarem à pátria )
O prazer de chegar à pátria cara,
A seus penates caros e parentes,
Para contar a peregrina e rara
Navegação, os vários céus e gentes;
Vir a lograr o prêmio, que ganhara
Por tão longos trabalhos e acidentes,
Cada um tem por gosto tão perfeito,
Que o coração para ele é vaso estreito
Vênus, deusa protetora dos portugueses resolve preparar um prêmio e repouso aos nautas, e compete à seu filho, Cupido, a preparação dela. A armada avista a ilha que submerge das águas.
Mas firme a fez e imóvel, como viu
Que era dos Nautas vista e demandada;
Qual ficou Delos, tanto que pariu
Latona Febo e a Deusa à caça usada.
Para lá logo a proa o mar abriu,
Onde a costa fazia uma enseada
Curva e quieta, cuja branca areia,
Pintou de ruivas conchas Citereia.
Camões tece uma descrição da ilha divina, os marinheiros descobre a presença das ninfas na ilha e elas correm, sendo seguidas pelos nautas.Vasco da Gama encontra Tethys que justifica o motivo deste encontro maravilhoso.
Tomando-o pela mão, o leva e guia
Para o cume dum monte alto e divino,
No qual uma rica fábrica se erguia
De cristal toda, e de ouro puro e fino.
A maior parte aqui passam do dia
Em doces jogos e em prazer contino:
Ela nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras entre as flores.
O comandante é direcionado ao palácio de tethys onde desfrutará de repouso ao lado da bela Ninfa. O autor ainda faz uma reflexão sobre o sentido alegórico da ilha e exorta os que suspiram por aqueles que querem imortalizar os seus nomes.
93 - ( As flores )
E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro
Verdadeiro valor não dão à gente:
Melhor é, merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.

Desenvolvimento


. Verificação dos contextos
Europeu

Contexto histórico e Sócio-econômico:

Diferentes interpretações do homem e do mundo foram instalados na Europa neste período, desencadeando novas aspirações e descobertas. Graças ao crescente surgimento da burguesia comercial e das atividades econômicas entre os burgos europeus, as cidades foram lentamente se desenvolvendo. Esse desenvolvimento estimulou a vida urbana e o surgimento de um novo homem. Este, sobretudo, tornou-se motivo central de uma revolução na realidade européia.
As expedições oceânicas, por sua vez, alargaram a visão do homem europeu, pondo-o em contato com povos e culturas diferentes. A concepção de mundo deste homem foi-se ampliando. Não havia mais limites, pois agora ele detinha o poder sobre a terra.
Com esse aumento das rotas mercantis, a configuração do modelo sócio-econômico capitalista dá seus primeiros passos e mudam-se também as relações de trabalho. O comércio desenvolve-se sobretudo através das grandes navegações, contribuindo, então, com as divisas (dinheiro, riqueza) para a burguesia, intensificando o poder e influência desta classe.
A crise religiosa por que passou a Igreja Católica – poderosíssima durante a Idade Média - favoreceu imensamente a nova visão de mundo que o homem adquiriu. Quando Martinho Lutero propôs, na sua Reforma, que as almas podiam ser salvas desde que se arrependessem, o poder da Igreja Católica caiu por terra, visto que esta pregava que era ela quem ‘intermediava’ a comunicação homem – Deus e apenas por sua intervenção o espírito pecador teria como alcançar o paraíso.

Contexto artístico e cultural

Mudanças tão radicais que surgiram na sociedade refletiram-se também na arte. Com a realização das novas rotas comerciais, e o humanismo desperto, não era mais concebível ao homem a idéia de que era apenas um servo de Deus – consciência medieval acerca da natureza humana. O temor e a inferioridade frente ao divino desapareceu. Procurou-se, então, uma forma de expressão artística em que o homem era tido como o personagem principal e os moldes encontrados foram os da Antigüidade Clássica, da Grécia e de Roma. Por fazer nascer de novo os moldes antigos, esse período nomeou-se Renascimento ou, graças ao ênfase dado a essas referências clássicas, Classicismo. Daí imitou-se o tipo de concepção artística, que era, sobretudo, o racionalismo.
O Classicismo confere maior importância às faculdades intelectuais do que às emocionais na criação da obra de arte, porque busca a expressão de valores universais acima dos particularismos individuais ou nacionais. Busca a perfeição das formas, a harmonia das proporções, simplicidade e equilíbrio da composição e a idealização da realidade, recusando, portanto qualquer sentimentalismo ou extravagância de maneira incessante.
A filosofia da Antigüidade foi relida - graças aos arquivos dessa época que as igrejas mantiveram - e reinterpretada, agora à luz da razão. A literatura baseou-se em Homero e Virgílio para criar herói cheios de virtude e coragem. A mitologia da era clássica estava sempre presente, também, em todas as formas de arte.


Português

contexto histórico e sócio-econômico

sob o reinado de D. Manuel, Portugal gozoou de grande realizações como a descoberta do caminho marítimo para as Índias, a conquuista do Brasil, de Goa brasil

Inspirando-se no modelo da Antiguidade clássica greco-romana e no Renascentismo italiano, estabeleceu princípios ou normas, como a harmonia das proporções, a simplicidade e equilíbrio da composição e a idealização da realidade.recusa, portanto,a emotividade e exuberância decorativa do barroco.

Classicismo é a doutrina estética que dá ênfase à ordem, ao equilíbrio e à simplicidade.Os antigos gregos foram os primeiros grandes clássicos.Posteriormente, os romanos, os franceses, os inglesese e outros povos produziram movimentos clássicos.Cada grupo desenvolveu suas próprias características particulares, mas todos refletiam idéias comuns sobre a arte, o homem, o mundo.
O primeiro períedo clássico, no Ocidente, aparece na Grécia antiga e alcança o seu apogeu no séc. V e IV a.C. Os gregos exaltaram a razão o e condenaram o sentimentalismo e o exagero. Tentaram ver toda a realidade por meio de um sistema unificado que lhes desse significado e direção. Os artistas gregos mostraram a beleza numa escala humana mais do que numa escala sobrenatural. As esculturas de Fídias e Praxíteles são magníficos exemplos de figuras humanas bem proporcionadas. Ésquilo, Sófocles e Eurípedes escreveram tragédias que mostram o valor da moderação e o perigo do orgulho excessivo.
Roma
O Classicismo romano desenvolveu-se em dois estágios, a época de Cícero, de 80 a.C. a 27 a.C., e a época de Augusto, de 27 a.C. a 14 d.C. Os romano adotaram os valores Clássicos gregos. Sob a influência de Cícero, homem de Estado e tribuno, as responsabilidades cívicas ganharam um nova importância. A literatura romana atingiu o apogeu se sua realização durante o governo de Augusto, quando quase todos os escritores era clássicos.

Influência da cultura greco-latina (Paganismo): A imitação dos modelos greco-romanos da antiguidade está na base da renovação literária surgida no Renascimento que tomou o nome de Classicismo. Como nas outras artes, também na literatura isso não significa copiar, e sim recriar. Os autores clássicos mais seguidos no Classicismo foram Homero, Virgílio, Ovídio, dentre outros. Também a teoria de Platão (essência x aparência) na concepção do amor foi muito difundida.


ECLETISMO RELIGIOSO

O poema apresenta um ecletismo religioso bastante curioso. Mescla a
mitologia greco-romana a um catolicismo fervoroso. Protegidos pelos deuses, os
portugueses procuram impor aos infiéis mouros sua fé cristã. O português é visto
por Camões como representante de toda a cultura ocidental, batendo-se contra o inimigo oriental, o árabe não-cristão. Todo esse fervor religioso não impede a
utilização pelo poeta do erotismo de cunho pagão, como no episódio da Ilha dos
Amores e seus defensores lusitanos são protegidos, ao longo de todo o poema, por uma deusa pagã, Vênus. É curioso notar que a imagem clássica do deus romano Baco (o Dioniso dos gregos), amigo do vinho e do desregramento, inimigo maior dos portugueses, é a de um ser de chifres e rabo. A mesma que foi utilizada pela igreja católica para representar o demônio.
Análise
No Renascimento, o projeto de recriar os grandes gêneros da literatura greco-latina levou muitos poetas, em diversos países, a tentarem compor obras no que era considerado o gênero máximo: o épico. A epopéia (ou poema épico) é um longo poema narrativo, de estilo elevado e assunto heróico, envolvendo grandes acontecimentos do passado. Se os heróis e as façanhas são históricos ou míticos esta não é uma questão significativa para a épica antiga.
Mas era um ponto importante para Camões, que se orgulhou de estar contando em "Os Lusíadas" (1572) uma história grandiosa realmente ocorrida, verdadeira, e não falsa, inventada, como as dos heróis míticos celebrados tanto pelos gregos e romanos da Antiguidade, quanto pelos poetas de seu tempo. A estes teria faltado um tema da magnitude daquele que a história recente de Portugal oferecia a Camões: a estupenda aventura da conquista do mar e busca de terras distantes e ignoradas, que ampliaram enormemente os limites do mundo então conhecido. Com uma história dessas, com seu gênio artístico e uma extraordinária experiência de vida, Camões escreveu a melhor epopéia do Renascimento.
Nela, três histórias se superpõem e se imbricam: 1) a história da viagem de Vasco da Gama e seus marinheiros à Índia; 2) a história de Portugal, chegando até a época da viagem e antecipando acontecimentos posteriores a ela, e 3) a história dos deuses que, como forças do destino, tramam e destramam a sorte daqueles bravos portugueses que enfrentam perigos e inimigos desconhecidos para ampliar as fronteiras de seu reino e de sua religião.
Numa longa etapa da obra (cantos III-V), Vasco da Gama (herói da história 1) conta ao rei de Melinde (costa oriental da África) a história de Portugal (história 2). Entre os acontecimentos notáveis do passado português, o capitão se detém no relato dos eventos que envolveram Inês de Castro, compondo um dos mais belos episódios do poema (canto III, estrofes 118-135). Trágico conto de amor, é a história daquela "que depois de ser morta foi rainha".
O fato relatado por Camões foi registrado por cronistas da época e pode, em seus dados históricos, ser assim resumido. Dona Inês, da importantíssima família castelhana Castro, veio a Portugal como dama de companhia da princesa Constança, noiva de D. Pedro, herdeiro do rei D. Afonso 4º. O príncipe apaixonou-se loucamente pela moça, de quem teve filhos ainda em vida da princesa, sua esposa. Com a morte desta, em 1435, ter-se-ia casado clandestinamente com Inês, segundo o que ele mesmo declarou tempos depois, quando já se tornara rei. Talvez tal declaração, embora solene, fosse falsa; é fato, porém, que o príncipe rejeitou diversos casamentos, politicamente convenientes, que lhe foram propostos depois que ficou viúvo.
A ligação entre o príncipe e sua amante não foi bem vista pelo rei, que temia fosse seu filho envolvido em manobras pró-Castela da família de Pérez de Castro, pai de Inês. (Aqui é preciso lembrar que o conflito entre Portugal e Castela, ou seja, a Espanha, remonta à fundação de Portugal, que nasceu de um desmembramento do território castelhano e que Castela sempre almejou reintegrar a si.) Em conseqüência, o rei, estimulado por seus conselheiros, decidiu-se pelo assassinato de Inês, que foi degolada quando o príncipe se achava caçando fora de Coimbra, onde vivia o casal. O crime motivou um longo conflito entre o príncipe e o pai. Depois que se tornou rei, D. Pedro ordenou a exumação (desenterramento) do cadáver, para que Inês fosse coroada como rainha.
Camões, que se concentra no conflito entre o amor e os poderes perversos do mundo, não é o único nem foi o primeiro a dar tratamento literário à história de Inês de Castro, mas a sua versão paira sobre todas as outras, anteriores ou posteriores. Vários fatores concorrem para que o episódio seja dos mais admirados de "Os Lusíadas": a pungência da história, devida tanto à piedade que inspiram Inês e seus filhos, quanto ao amor constante, inconformado e revoltado de D. Pedro; a gravidade da questão envolvida, que opõe o interesse pessoal e os interesses coletivos (a "razão de Estado"), e, finalmente e sobretudo, o encanto lírico de que Camões cercou a figura de Inês, a quem atribui longo e eloquente discurso, impondo-a como um dos grandes símbolos femininos da literatura e não só da literatura de língua portuguesa.
No Renascimento, o projeto de recriar os grandes gêneros da literatura greco-latina levou muitos poetas, em diversos países, a tentarem compor obras no que era considerado o gênero máximo: o épico. A epopéia (ou poema épico) é um longo poema narrativo, de estilo elevado e assunto heróico, envolvendo grandes acontecimentos do passado. Se os heróis e as façanhas são históricos ou míticos esta não é uma questão significativa para a épica antiga.
Mas era um ponto importante para Camões, que se orgulhou de estar contando em "Os Lusíadas" (1572) uma história grandiosa realmente ocorrida, verdadeira, e não falsa, inventada, como as dos heróis míticos celebrados tanto pelos gregos e romanos da Antiguidade, quanto pelos poetas de seu tempo. A estes teria faltado um tema da magnitude daquele que a história recente de Portugal oferecia a Camões: a estupenda aventura da conquista do mar e busca de terras distantes e ignoradas, que ampliaram enormemente os limites do mundo então conhecido. Com uma história dessas, com seu gênio artístico e uma extraordinária experiência de vida, Camões escreveu a melhor epopéia do Renascimento.
Nela, três histórias se superpõem e se imbricam: 1) a história da viagem de Vasco da Gama e seus marinheiros à Índia; 2) a história de Portugal, chegando até a época da viagem e antecipando acontecimentos posteriores a ela, e 3) a história dos deuses que, como forças do destino, tramam e destramam a sorte daqueles bravos portugueses que enfrentam perigos e inimigos desconhecidos para ampliar as fronteiras de seu reino e de sua religião.
Numa longa etapa da obra (cantos III-V), Vasco da Gama (herói da história 1) conta ao rei de Melinde (costa oriental da África) a história de Portugal (história 2). Entre os acontecimentos notáveis do passado português, o capitão se detém no relato dos eventos que envolveram Inês de Castro, compondo um dos mais belos episódios do poema (canto III, estrofes 118-135). Trágico conto de amor, é a história daquela "que depois de ser morta foi rainha".
O fato relatado por Camões foi registrado por cronistas da época e pode, em seus dados históricos, ser assim resumido. Dona Inês, da importantíssima família castelhana Castro, veio a Portugal como dama de companhia da princesa Constança, noiva de D. Pedro, herdeiro do rei D. Afonso 4º. O príncipe apaixonou-se loucamente pela moça, de quem teve filhos ainda em vida da princesa, sua esposa. Com a morte desta, em 1435, ter-se-ia casado clandestinamente com Inês, segundo o que ele mesmo declarou tempos depois, quando já se tornara rei. Talvez tal declaração, embora solene, fosse falsa; é fato, porém, que o príncipe rejeitou diversos casamentos, politicamente convenientes, que lhe foram propostos depois que ficou viúvo.
A ligação entre o príncipe e sua amante não foi bem vista pelo rei, que temia fosse seu filho envolvido em manobras pró-Castela da família de Pérez de Castro, pai de Inês. (Aqui é preciso lembrar que o conflito entre Portugal e Castela, ou seja, a Espanha, remonta à fundação de Portugal, que nasceu de um desmembramento do território castelhano e que Castela sempre almejou reintegrar a si.) Em conseqüência, o rei, estimulado por seus conselheiros, decidiu-se pelo assassinato de Inês, que foi degolada quando o príncipe se achava caçando fora de Coimbra, onde vivia o casal. O crime motivou um longo conflito entre o príncipe e o pai. Depois que se tornou rei, D. Pedro ordenou a exumação (desenterramento) do cadáver, para que Inês fosse coroada como rainha.
Camões, que se concentra no conflito entre o amor e os poderes perversos do mundo, não é o único nem foi o primeiro a dar tratamento literário à história de Inês de Castro, mas a sua versão paira sobre todas as outras, anteriores ou posteriores. Vários fatores concorrem para que o episódio seja dos mais admirados de "Os Lusíadas": a pungência da história, devida tanto à piedade que inspiram Inês e seus filhos, quanto ao amor constante, inconformado e revoltado de D. Pedro; a gravidade da questão envolvida, que opõe o interesse pessoal e os interesses coletivos (a "razão de Estado"), e, finalmente e sobretudo, o encanto lírico de que Camões cercou a figura de Inês, a quem atribui longo e eloquente discurso, impondo-a como um dos grandes símbolos femininos da literatura e não só da literatura de língua portuguesa.
Organização: Francisco Muriel

Sobre as teorias de Baktin:Carnavalização e Paródia(Análise do Discurso)

Sobre as teorias de Baktin.
Carnavalização e Paródia: Gênero Popular
Baktin ocupou-se com a vida cotidiana da Idade Média e percebeu que haviam duas faces da existência de quem havia vivido naquela época, ou seja, tinham uma dupla existência:
- uma vivida no espaço fechado de casa – sujeitas as regras e normas de comportamento;
- outra vivida no espaço da praça – sem normas e regras, mas livre e cheias de profanações e sacrilégios
Assim, na Europa dos séculos XVI e XVII, o carnaval surgia como uma forma vitae em que as pessoas simples viviam duas vidas, uma subordinada as regras e outra, carnavalesca.
Baktin dizia que: “O carnaval é um espetáculo não para ser observado, mas para ser vivido, onde se tem as suspensões das regras, proibições que regem a vida normal”. Ao ocorrer essas supressões às leis e hierarquias que organizam nosso mundo cotidiano é virado ao avesso.
A carnavalização é um espetáculo sem palco e separação entre o público e atores, um novo modo de relações humanas, oposto às relações socioierárquicas todo-poderosas da vida corrente. A conduta, gesto e a palavra do homem se libertam da dominações hierárquicas (camadas sociasis, graus, idades, fortunas) que as determinam internamente fora do carnaval e se tornam excêntricas, deslocadas do ponto de vista lógica da vida habitual. (BAKTIN, Mikhail M. La Poétique de Dostoievski. Paris: Seuil, 1970).
A transposição do carnaval para a literatura é o que Baktin vai chamar de Carnavalização. Sobre os gêneros literários carnavalizados, ele discorre:
Um novo modo de relações humanas: oposto às relações hierárquico-sociais;
Excentricidade:O homem deixa de se retrair e se permite a tudo que estava reprimido;
Méssalinces: se refere a aproximação dos contrários;
Profanação: Formada pelos sacrilégios carnavalescos.
Para Baktin a interiorização dos procedimentos carnavalescos na prosa de ficção faz com que a literatura torne-se “Paródia”, ou seja, ambígua.


Paródia
A Paródia já era enlencada na “Poética” de Aristóteles e fazia menção a Hegemon de Tarso (séc. V a.C. ) que usava o gênero Épico para representar seres comuns inseridos na vida cotidiana – o que simboliza a inversão que, segundo Baktin, carateriza a Carnavalização. Etimologicamente, Paródia (de paro = ao lado + ode = canto) significa “canto paralelo” e para Baktin devia Ter a noção de palco de luta entre vozes contrárias (dialogismo) que seriam o Esopo – texto original – e a Paródia.
Com a noção de dialogiasmo, ou seja, duas vozes que coexistem em um texto, o autor define que estas vozes como atração e rejeição, resgate e repelência de outro texto, apresentando uma idéia de intertextualidade. Ele, ainda, estabelece o “estatuto da palavra”, unidade mínima de escritas em três dimensões, e que segundo a professora Josef seriam:
TEXTO = contexto atual
SUJEITO DESTINATÁRIO = instauram o diálogo

COTEXTO = contexto anterior (INSTAURAM A AMBIVALÊNCIA)

Baktin vê a Paródiua como elemento inseparável de todos os gêneros carnavalizados, pois, apesar de substanciais diferenças, apresentam traços comuns:
1º - Permitem reconhecer explicitamente uma semelhança com aquilo que nega;
2º - A palavra tem duplo sentido, voltando-se para o discurso de um outro e para o objeto de discuso;
3º - Apresenta imagens invertidas, ampliadas ou reduzidas, como num espelho.

Organização: Francisco Muriel

Análise do conto: Aqueles dois de io Fernando Abreu.(lit. brasil.)

Análise do conto: Aqueles dois (história de aparente mediocridade e repressão) – Caio Fernando Abreu.
Este conto trata da história de dois amigos que trabalham em uma repartição. Os fatos, narrados em terceira pessoa, por um narrador onisciente, são narrados desde quando ambos entraram na empresa, sem se conhecerem e aos poucos os dois vão se aproximando, afinal: “Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra”. Eles passam a troca alguns ásperos, oi!, Bom dia!, e coisas do gênero, sempre apreciados pelos olhares das moças do departamento, que “ficavam nervosas quando eles surgiram, tão altos altivos”, e pelos homens, que “apesar dos outros homens, alguns até mais jovens, nenhum deles tinha barriga ou aquela postura desalentada de quem carimba ou datilografa papéis oito horas por dia.”
A relação se materializa, quando em uma manhã, um deles, o de nome Saul, o outro chama-se Raul , chega atrasado à repartição e todos perguntam o motivo, que ele atribui a um filme que ficara assistindo até mais tarde. Ninguém conhecia o filme, exceto Raul. Conversaram, naquele dia, longo tempo. E naquela semana, o assunto passaria de filme para “histórias pessoais, passados, alguns sonhos, pequenas esperanças, passados, alguns sonhos, sobretudo queixas.” A mulheres da repartição, afim de enlaçar uma das “almas especiais”, passaram a organizar atividades, “bares, gafieira, discotecas”, mas os dois sempre se enfiava nos cantos e sacadas para conversar. Essa amizade vai aumentando, Saul passa a freqüentar a casa de Raul, e vice-versa, nos finais de semana, e assim o tempo passa até que em um determinado dia a mãe de Raul morre e ele é obrigado a se ausentar por algum tempo. Quando ele volta, “ele precisou passar uma semana fora”, pede a Saul que vá a seu apartamento. Quando Saul chega, encontra Raul sem luto, barba por fazer. Os dois bebem até se embriagarem e, no momento de Saul ir embora, Raul começa a chorar. Os dois se abraçam, os dedos de Saul vão para na Barba de Raul e acontece algo que nenhum deles conseguem descrever. Trocas de juras são feita: “Você tem a mim agora, e para sempre”.
Com a vinda do Natal e as festa de fim de ano, os dois passam a ficar mais juntos ainda. Na noite de révellom, Saul pousou no apartamento de Raul, pediu para dormir nu. Raul disse a ele que sim, pois tinha um belo corpo. Apesar de um deitar no sofá outro na cama, ninguém dormiu a noite.
Quando chega janeiro, os dois planejam as férias juntos, até que um dia o chefe da repartição os chama e diz que está recebendo algumas cartas anônimas. Mensagens como: “Relação anormal e ostensiva, desavergonhada aberração, comportamento doentio, psicologia deformada”. Depois vários argumentos como: “A reputação de nossa firma, tenho que zelar pela moral dos meus funcionários.” Os dois são despedidos. Esvaziam suas mesas se se olharem. A mesa de um ficava do lado da do outro. E quando um abriu a porta do táxi para que o outro entrasse, ouvi um “ai-ai!” que os dois não chegaram a ouvir.
Mas certo é que ninguém conseguiu trabalhar em paz naquela repartição. E foram infelizes por seus feitos.
Mostra-se com esse desfecho o preconceito que a sociedade ainda tem. Nessa obra em específico, vemos a questão do Homossexualismo, um jovem casal que é privado de sua vida profissional, frente a uma sociedade opressora. Mas são diversos os casos de preconceitos na sociedade moderna e contemporânea. Preconceitos raciais, classiais, sexuais, por idade, etc, estão até hoje em nosso meio, para que todos passam ver. Grandes são as campanhas publicitária, e veja hoje já se há até campanhas publicitárias, para acabar com o preconceito. Bonito é a mensagem ou o aviso deixado pelo autor, que deve Ter vivido na pele este tipo de rejeição, no final, dizendo que ninguém pode nem vai ser feliz, após cometer tal ato.
Se formos buscar um relação enter a dois protagonistas com espaço social, os veremos sempre a margem desse espaço. Desde o início o narrador os mostra excluídos. Eles não tinham ninguém naquela cidade – e de certa forma, também em nenhuma outra.” Seus “modos-de-vida” eram muitos diferentes dos demais, ficar em casa, assistir a filmes, e vejamos, até o gosto dos dois são diferente dos demais, os assuntos e como “estavam ambos cansados de todas as mulheres do mundo”. O conflito dessa relação se desestabiliza, creio eu, no momento em que mulheres passaram a desejá-los e homens a invejá-lo. Então o repúdio, a busca por um erro um rabicho, que poderia manchar a imagem dos dois. Assim, devem Ter sido se imaginarmos os rumores dentro da repartição, as piadinhas quando ambos não estavam, até culminar com as cartas mandadas por inveja ou desilusão ao Diretor.
Sobre o tempo neste conto, encontraremos duas formas de passagem: a física e a psicológica. Na forma física, parece que o narrador tem o poder de adiantar ou fixar a um determinado momento, a narração é feita como por FlashBack, assim o narrador fica quase como com um controle remoto nas mãos e sim pode fazer passar um capítulo em câmera-lenta ou adiantar e pular um ou três capítulos. Já um bom exemplo de tempo psicológico seria o abraço entre os dois, quando os dedos de Saul encontram a barba de Raul.
Organização: Professor Francisco Muriel

Análise do Conto: O pirotécnico Zacarias – Murilo Rubião(lit brasil.)

Análise do Conto: O pirotécnico Zacarias – Murilo Rubião
O conto começa com o narrador- protagonista questionando sobre a morte do “pirotécnico Zacarias”, que mais tarde se saberá, trata-se do próprio narrador. Ele segue tentando explicar : “uns acham que estou vivo – o morto tinha apenas alguma semelhança comigo. Outros mais supersticiosos, acreditam (...) que quem andam chamando Zacarias não passa de “alma penada”.
O narrador continua tecendo reflexões sobre sua situação de “morto-vivo” e como os antigos amigos, pessoas conhecidas, fogem dele quando o encontra nas ruas, algumas até se assustam, assim, ele não têm oportunidade de explicar o ocorrido. Mas mesmo assim, ele tenta:
“em verdade morri(...). Por outro lado, também não estou morto, pois faço tudo que antes fazia e, devo dizer, com mais agrado do que anteriormente. “
Zacarias começa, então, narrar os fatos que colocaram-no naquela situação, quando em uma noite, voltando de uma festa, fora atropelado:
“A princípio foi azul, depois verde, amarelo e negro. Um negro espesso, cheio de listras vermelhas, de um vermelho compacto, semelhantes a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos amarelado, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor.”
A partir daí, o narrador revive momentos, como em flash-back, de sua infância, lembranças de uma professora invadem sua memória. É quando o grupo de jovens, moças e rapazes, discutem sobre o que fariam com o cadáver. Inicialmente eles discutiam em voz baixa e com medo. Contudo, passado alguns minutos, passam a falar alto e tratar o fato como algo corriqueiro. Mas a indignação do defunto-narrador aumenta com os planos que os jovens têm, para desfazer-se de seu corpo. A primeira idéia, a de levá-lo a um necrotério logo foi rejeitada, pois sujaria o carro. Depois um jovem propôs que deixassem as moças e levassem o corpo até um cemitério, o que foi visto como bobagem pelos demais companheiros e por último decidiram lançar o corpo de um precipício , o que não interessava, nada-nada, o defunto.
“mas aquele seria um dos poucos desfechos que não me interessavam. Ficar jogado em um buraco, no meio de pedras e ervas, tornava-se para mim a idéia insuportável.”
E aí que o defunto decide dar sua opinião. “Alto lá! Também quero ser ouvido.” Ao ouvir tais sentenças, o jovem que tinha opinado em levá-lo para um cemitério desmaiou. Assim, “para tornar a situação mais confusa , sentiam a impossibilidade de dar rumo a um defunto que não perdera nenhum dos predicados geralmente atribuídos aos vivos.”
Foi quando um deles sugeriu que Zacarias vestisse as roupas do jovem que havia desmaiado e seguissem com a farra. Foi o que aconteceu, a noite inteira beberam, cantaram e até uma dama foi designada a ser acompanhante do defunto.
Na manhã seguinte, perguntaram onde Zacarias queria ficar, ele disse que em um cemitério, a turma respondeu que seria impossível , pois naquela hora, nenhum estaria aberto. Mas o problema maior foi a aceitação das pessoas já que:
“não fosse o ceticismo dos homens, recusando-se a aceitar-me vivo ou morto, eu poderia abrigar a ambição de construir uma nova existência.”
Zacarias tenta restabelecer contato com os amigos daquela fatal noite, só eles eram testemunha de sua morte, mas não os encontra. Agora, morto-vivo, Zacarias tenta provar que mesmo morto consegue amar e sentir as coisas, ainda mais do que quando estava vivo.
Difícil é discutir sobre a caracterização desse conto entre meramente estranho, fantástico ou maravilhoso, tendo em vista que o fantástico, segundo Tzvetan Todorov, em seu livro Introdução à Literatura Fantástico, seria “uma hesitação entre o estranho e o maravilhoso”. O estranho seria quando estamos de frente a um frente com um algo extraordinário/sobrenatural, mas tudo nos é explicado. Já o maravilhosos se dá quando não encontramos explicação alguma e esta só pode ser admitida pela fé na religião ou na magia. E se, segundo ele, o fantástico estaria numa hesitação entre o estranho e o maravilhoso, difícil e discutível, seria apontar o fantástico nessa hesitação entre dois gêneros.
Por isso, retomaremos Aristóteles, um dos primeiros a se dedicar aos estudos literários, que desenvolveu o principio da arte como imitação da realidade, verossimilhança. Assim, se a literatura fantástica é aquela que se afasta do preceito clássico da verossimilhança, então, temos sim um conto Fantástico.
Como hipótese de uma possível interpretação do conto, podemos crer que o protagonista morto em um atropelamento, mas que continua com todos os predicados de um vivo, simboliza uma transformação pela qual todos passamos um dia. Quantas gente nos atropela e quantas vezes somos atroplelados por alguém e tornamos e somos tornados como zumbis, mortos-vivos, para a família, para os amigos e muitas vezes para a sociedade.
Reparemos na desabafo de Zacarias:
“A única pessoa que poderia dar informações certas sobre o assunto sou eu, porém estou empedido de fazê-lo porque meus companheiros fogem de mim, tão logo me avistam pela frente. Quando apanhados de surpresa, ficam estarrecidos e não conseguem articular palavras. Em verdade morri,(...)”
Organização: Professor Francisco Muriel

Análise do conto: Antiperiplía de J. G. Rosa(lit Brasil.)

O Autor
João GUIMARÃES ROSA nasceu em Cordisburgo-MG, em 1908, transferindo-se para Belo Horizonte em 1918, onde cursou Medicina, a partir de 1925. São desta época os primeiros prêmios que conquistou, com alguns contos enviados à revista "O Cruzeiro". Inicia a carreira de médico em 1931 em Itaúna, interior de Minas Gerais, um ano após se casar com Lygia Cabral Pena, com quem teve duas filhas .Dois anos depois entra para a Força Pública, como oficial médico do batalhão sediado em Barbacena, também interior de Minas Gerais, na época da conflagração de 1932.
Inicia a carreira diplomática em 1934, após ter sido aprovado em concurso para o Itamarati. Dois anos depois seu livro de poesias, Magma, ganha o prêmio máximo da ABL Em 1946 GUIMARÃES ROSA publica Sagarana, seu primeiro livro, cujos contos foram escritos dez anos antes e lhe valeram o prêmio Humberto de Campos, da Livraria José Olympio. Trabalha como cônsul-adjunto em Hamburgo, como secretário da embaixada em Bogotá e em Paris e como chefe de gabinete do ministro João Neves da Fontoura.
No ano de 1956 GUIMARÃES ROSA publica dois livros: Corpo de Baile e aquela que seria considerada sua obra máxima: Grande Sertão: Veredas. Cinco anos depois a Academia Brasileira de Letras concede-lhe o prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra, Sagarana é editado em Portugal e a primeira tradução de Corpo de Baile é publicada na França. Um ano antes de ser eleito para a ABL (1963), publica Primeiras Estórias. Quatro anos depois publica Tutaméia e falece três dias depois de tomar posse na ABL. Estas Estórias e Ave, Palavra são publicados postumamente (1969).
Análise do conto: Antiperipléia – J. G. Rosa.
Nesta obra o autor dá continuidade aos esperimentos de compactizar Estórias, tornando-as rápidas mais não menos bela. Cada Estória contada capta episódios aparentemente banais. As ocorrências farejadas pelos protagonistas transformam-se em símbolos metamorfozeados de uma espécie de milagre que surge do nada, do que não se vê, como diria o próprio Guimarães Rosa: “Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.” Esses milagres podem ser, então, responsável pela poesia extraída dos fatos mais corriqueiros, pela beleza de pensar no cotidiano e não apenas vivê-lo, pelo amor que pode se pode Ter pelas coisas da terra, pelo homem simples, pelo mistério da vida.
Este conto, o primeiro de Tutaméia (ou Terceiras Estórias), terá como protagonista uma personagem muito interessante, pela sua profissão. Prudenciano é guia de cego. “Patrão meu, não. Eu regia – ele me acompanhava(...) ”. Esta atividade foi muito desempenhada por crianças do sertão que por serem parentes do cego mediante remuneração: “ele me dava cachaças, comidas.” passam toda a infância e parte de sua adolescência a vagar com o seu “regido” de vila em vila: “Aqui paramos, os meses, por causa da mulher....”
Porém, esse guia, desde o começo da história, dialoga com um delegado que pede que saia do Vilarejo por causa da misteriosa morte de seô Tomé, homem que ele guiava. Ele hesita, com medo das acusações que todos fazem.
“E vão me deixar ir? Em dês que o meu cego seô Tomé se passou, me vexam, por mim puxam, desconfiam discorrendo. Terra de injustiça.”
Em seu diálogo com o delegado ele diz que há coisas que todos desconhecem, pois o cego encontrava-se escondido com uma mulher, que não tinha, assim, uma aparência tão formosa: “as coisas começam deveras é por detrás do que há, recurso: quando no remate acontecem, estão já desaparecidas.” E pelo fato do delegado não lhe Ter perguntado nada, diz que vai lhe contar o que se sucedera. Começa narrando o seu relacionamento com seô Tomé, e como ele era desejados pelas mulheres. E o cego, sem ver, pedia para que ele – que ao contrário do cego, era feio e pouco desejado - descrevia a formosura das mulheres que a ele desejavam. Um fato interessante é que ambos (o cego e o guia) se invejavam. O guia, para suprir esta falta bebia: “Bebo, para impor em mim amôres dos outros.” E quando o guia se embriagava, o cego tinha de esperá-lo: “Bebo. Tomo até me apagar, vejo outras coisas. Ele carecia de esperar...”
Em um certo dia eles chegam ao vilarejo e logo essa mulher, a Sa Justa, vai pedir ao guia que descreva ela, que era “muito feia”, como uma mulher formoso para o cego, a mais formosa de todas. Diante de tais descrições, o cego logo se apaixona e passa a encontrar-se, às escondidas, com a mulher. Ela, era casada, contudo seu marido desgostava dela. “O marido desgostava dela, druxo homem, de estrambolias, nem vinha em casa..”. Mas era preciso cautela. Assim a cada novo encontro a mulher pedia ao guia que descrevesse malucas belezas. De observar o quanto a mulher ficava com o guia o cego começou a se inciumar. O marido da mulher, que com o guia bebia e já deveria Ter consciência do caso, a toda hora queria o dinheiro da sacola, que era arrecadado pelo cego. Esmolas.
Até que uma certa noite, o cego cai de um precipício, e todos acham que o guia é culpado. Ele, que se embriagara na noite do incidente diz que: “Seô Tomé, no derradeiro, variava: falando que voltara a enxergar.” Assim ele elenca algumas suposições sobre o autor do crime, se assassinato ou o caso de suicídio, pois se o cego realmente tivesse, realmente, voltado a enxergar, avistaria toda a feiura de Justa, pode Ter se desiludido de tal forma e se jogado. Já no caso de assassinato, o primeiro a ser sugerido seria o esposo, que desgostoso com a traição ou até mesmo para roubar a sacola com as esmolas, empurrara o cego ladeira abaixo. Ainda sugere a própria mulher, após Ter tomado consciência de que o cego voltara a enxergar, o empurrara para não ver o assombro de seus traços. Ele acaba dizendo ao delegado que vai para a cidade somente se for para voltar a guiar cegos.
Organização: Francisco Muriel