terça-feira, 30 de outubro de 2007

orat et laborat

Análise: A Rosa do Povo - C. Drummond de Andrade (Vestibular UEL 2007)

Carlos Drummond de Andrade – “A Rosa do Povo”
O Poeta: Drummond (1902-1987) nasceu em Itabira (MG), fez seus estudos em colégio interno em Belo Horizonte, ate voltar para Itabira, por motivos de doença. Voltou novamente ao internato, porém , agora, no Estado do Rio de Janeiro, o mesmo onde seria expulso anos mais tarde. Formou-se em São Paulo no curso de farmácia - profissão que nunca desempenhou - e como redator de “O Diário de Minas” entrou em contato com os modernistas paulistas. Em 1934, entra para o funcionalismo público e muda-se novamente para o Rio, até que em Agosto de 1987, doze dias depois das morte de sua única filha, faleceu.
Pelo grande número de composições, a análise de suas características, partindo de um único estilo, seria impossível. De acontecimentos Banais, corriqueiros, gestos ou paisagens simples o poeta extrai poesia.
Uma grande porcentagem desses poemas funcionam como denúncia de opressão (DITADURA) e pela violência que marcou a 2º Guerra Mundial. Surge, então, uma literatura com um forte engajamento social. A consciência de estar vivendo um grande marco na história produz a indagação indagação filosófica sobre o sentido da vida.(EXISTÊNCIALSMO). Suas primeiras obras eram verdadeiros “Saudosismos” de sua infância e sua terra natal, depois, a partir da análise de sua experiência individual, da convivência com outros homens, suas obras ganham passa a refletir sobre o existir humana e até mesmo da existência de Deus. De sua Vasta produção, com mais de trinta publicações reunindo crônicas, poesias e contos, pode-se destacar: “Algumas Poesias, A Rosa do Povo, Amar se Aprende Amando e Contos de Aprendizes”.
Característica: Desde o seu batismo de fogo em 1928, com a publicação do célebre “No Meio do Caminho”, na Revista de Antropofagia, Drummond ficou conhecido como “o poeta da pedra”. Ao invés de se sentir ofendido com tal apelido, de origem pejorativa, pois a dureza e até a frieza da pedra marcam a poesia sua poesia, pois ela é dotada não de uma insensibilidade, mas de uma afetividade contida. Torna-se, portanto, um dos pilares da poesia moderna (junto de Bandeira e João Cabral), afastando do lugar nobre de nossa literatura o melodrama, a emoção desbragada, descontrolada e descabelada que por muito tempo imperaram por aqui. Dessa forma, vai sempre se mostrar um eu-lírico discreto ao sentir o seu círculo e o seu mundo até mesmo quando vaza críticas, muitas vezes feitas sob a perspectiva da ironia. Aliás, essa figura de linguagem é muito comum na estética do autor, pois pode ser entendida como uma forma torta de dizer as coisas. Tal caráter está não só na linguagem, mas também pode ser encontrado na maneira deslocada como se relaciona com o seu mundo, o que pode ser justificado pela sua origem, pois é um homem de herança rural, filho de fazendeiros, que acaba se encontrando no ambiente urbano. No entanto, ao invés de esse seu sem jeito tornar-se elemento pejorativo, acaba por dar-lhe uma potência fenomenal na análise social e existencial. Posto à margem do sistema, consegue ter uma visão mais clara e menos comprometida pela alienação dos que se preocupam em cumprir seus compromissos rotineiros. Eis o grande feito de Rosa do Povo.

Contexto Histórico para a produção de “A Rosa do Povo”.
Os Poemas deste livro formam escrito entre 1943 a 1945, período que corresponde:
No Mundo: Os horrores da Guerra assolava o mundo com suas atrocidades. Tudo por causa das Ditaduras de Hitlher (NAZISMO) e Mussolini (FACISMO) e do retalhamento dos países aliados. Neste período, a União Soviética apertava o cerco contra as tropas nazistas e as maiorias das tropas alemãs tinham sida desbaratadas no leste europeu. Por isso, o mundo comovia-se com a ação heróica dos russos (Comunista) e o confronto político (CAPITALISMO X COMUNISMO) que se desenhara desde 1917 (REVOLUÇÃO RUSSA), estava momentaneamente eslipsado na união contra o Nazismo e o Fascismo. Passo-se, então, por partes dos intelectuais ocidentais, a se Ter uma certa empatia não só com o povo russo mais também com o regime comunista.
No Brasil: entre 1937 e 1945, o Brasil assistiu ao “Estado Novo”, Ditadura de Getúlio Vargas que já havia sido o Governo provisório entre 1930 e 1934, criando nesse período a 3º Constituição do Brasil, em que apresentava propostas como o voto secreto, o voto feminino, salário mínimo, jornada de oito horas de trabalho e féria , etc.. Entre 1934 e 1937, Getúlio governa em uma fase Constitucional. Neste período surge o Fascismo e o Nazismo e em 1937 Vargas - diante de eleições marcadas e da consciência de que não venceria - Vargas decreta o “Plano Cohen”, que implantava a Ditadura como proteção contra o os regimes supracitados. Em 1939, começa a Segunda Guerra Mundial e o Brasil, em 1943 é intimado pelos EUA a entrar na guerra em favor dos Países Aliados, sofrendo sanções econômicas se não participassem. Com esta ação contraditória, Vargas vê o declínio de seu governo e a perda de apoios importantes, principalmente dos intelectuais, que dele receberam altos cargos públicos em troca de apoio.


A Rosa do povo
Obra-chave dentro da produção de Drummond, A rosa do povo, publicada em 1945, reflete a maturidade que o poeta alcançou desde sua estréia. Nela, conforme já se afirmou, além de acentuado progresso técnico-formal, estão presentes duas conquistas decisivas para a evolução de nossa literatura: o realismo social, particularmente penetrante e que não se restringe, apenas ao lirismo da poesia engajada; a poesia metapoética, alimentada pela reflexão introspectiva sobre o sentido da escrita como obra de arte. Este é o mais extenso e o mais variado dos livros de Drummond ( 55 poemas, alguns longos). Nele desfilam os principais temas de sua obra; o verso livre e a estrofação irregular alternam com versos de métrica tradicional dispostos em estrofes regulares; o estilo ora é "puro"(elevado, "poético" ), ora é "mesclado"(mistura de elevado e vulgar, sério e grotesco). Livro difícil, é dos mais discutidos e apreciados da poesia moderna brasileira. Obra de linguagem poética com participação social. Os poemas de A rosa do povo foram escritos nos anos sombrios da ditadura de Vargas e da Segunda Guerra Mundial. Os acontecimentos provocam o poeta, que se aproxima da ideologia revolucionária anticapitalista de inspiração socialista, e manifesta sua revolta e sua esperança em poemas indignados e intenso. Temas: eu-estar no mundo ( o amor, a família, o tempo, a velhice), a metapoesia (poesia pela própria poesia), eu igual ao mundo,... Portanto, em A rosa do povo, o poeta testemunha sua reação ante a dor coletiva e a miséria do mundo moderno, com seu mecanismo, seu materialismo, sua falta de humanidade. Essa fase enriqueceu sua essencialidade lírica e emocional, e, através da profunda consciência artística, o poeta atingiu a plenitude, a cristalização, a humanização, sob a forma suave e terna, em que o itabirano mergulha no lençol profundo de sua província e de seus antepassados, para melhor compreender a "máquina do mundo", a angústia de seu tempo, o desarvoramento do homem contemporâneo, com um largo sentimento de fraternidade.
Divisões Temáticas :
A partir de uma divasão feita pelo próprio autor em sua “Antoilogia Poética”, podemos elencar sete temas básicos em “A Rosa do Povo”. Claro que devemos frisar que alguns poemas podem ser enquadrado em mais de um tipo de temas:

1 – A poesia social;
2 – A poesia existencial;
3 – A posia sobre a própria poesia;
4 – O passado;
5 – O amor;
6 – O cotidiano;
7 – Os Amigos;

1- A poesia social: Trata-se da angustia do eu-lírico frente as atrocidades da guerra e do mundo. A partir daí, o poeta torna-se compromissado com a humanidade. Passa-se então, a não Ter uma preocupação com o estado subjetivo do poeta, como também toda a sociedade. Podemos encontrar em na obra: a – A culpa e a responsabiilidade moral; b – O registro puro e simples da ordem política, c – A passagem da náusea para uma perspectiva de nova sociedade; d – A celebração da Nova Ordem. São desta temática poemas como Nosso Tempo, Carrego Comigo, Áporo, Notícias, Carta a Stalingrado, e mais de 20 poemas do livro.
2- Poesia de reflexão existencial: Alguns vêem enlaçados com a poesia de engajamento social e político, outros se sobressaem quanto a interrogação existencial. Estes, são centram-se mais na subjetividade do poeta, desvelando, assim, a impotência do eu-lírico em estabelecer vias comunicantes com os demais seres. Trata-se de uma solidão terrível, pois ela ocorre na grande cidade, cidade antrpofágica e impassível, onde o indivíduo caminha imperceptível por uma multidão sem rostos. Fazem parte deste veio temático: Anoitecer, Desfile, Passagem do Ano, Morte de Avião, entre outros.
3- A Poesia sobre a poesia: a reflexão metapoética constituem uma das vertentes dominantes na obra de Drummond. A poesia é tematizada, na forma característica de poema sobre o poema, e discute o ofício de escrever, a construção do texto, o âmago da linguagem. Os dois poemas que abrem A Rosa do Povo (Considerações do Poema e Procura da Poesia), revela a importância que o peta dá sobre a problematização deste tema.
4- Poesia sobre o passado: As idéias do passado e de suas infinitas recordações afeta profundamente a recordação do Poeta. Em resumo, o passado é apresentado da seguinte maneira: o registro realista do quadro familiar, socio-cultural do interior mineiro no qual passara a infância; evocação de um mundo estritamente pessoal, formado por fatos, palavras e sentimentos que tiveram eco ou atingiram a subjetividade do menino Drummond; a projeção do passado no presente. Poemas: Como um presente, Retrato de Família, etc..
5- Poesia sobre o amor: a questão amorosa ocupa espaço mínimo na obra, com apenas um poema sobre o assunto. “O Mito”. Nele o procedimento humorístico exerce função corrosiva, pondo em xeque todos os valores humanos . e o humor já aparece no título que tem um amplo sentido: um ser ideal (a pessoa amada), o Grande Amor (paixões que a séculos percorria a cultura ocidental.
6- Poesia de Cotidiano: Embora vários texto de tema social de Drummond retratem a vida diária com grande vigor e a inclinação participante do poeta dão a estes versos uma dimensão explicitsamente enganjada, há algo que não encontramos nesses poemas nos de temática cotidiana. Neles, o autor narra ou conta histórias quase como um repórter de linguagem apurada. Em geral são os de leituras mais acessíveis, o que não lhes retiram a beleza. São eles: A morte do leiteiro, Caso de vestido, etc..
7- Os amigos: Em vários de seus livros, o autor faz louvações a personalidades que marcaram a sua existência, seja pela amizade ou seja pela grandeza artística/humana nas obras que produziram. Em A Rosa do Povo, duas longas Odes expressam a referida tendência: Mario de Andrade desce aos infernos e a Flor e a Náusea.

A FLOR E A NÁUSEA
Preso à minha classe e a algumas roupas,/vou de branco pela rua cinzenta./ Melancolias, mercadorias espreitam-me./ Devo seguir até o enjôo?\ Posso, sem armas, revoltar-me?/Olhos sujos no relógio da torre:/Não, o tempo não chegou de completa justiça./O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera./O tempo pobre, o poeta pobre/fundem-se no mesmo impasse./Em vão me tento explicar, os muros são surdos. /Sob a pele das palavras há cifras e códigos./ O sol consola os doentes e não os renova./As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase./Uma flor nasceu na rua!/Vomitar esse tédio sobre a cidade./Quarenta anos e nenhum problema /resolvido, sequer colocado./ Nenhuma carta escrita nem recebida./Todos os homens voltam para casa./Estão menos livres mas levam jornais /E soletram o mundo, sabendo que o perdem./Crimes da terra, como perdoá-los?/Tomei parte em muitos, outros escondi./Alguns achei belos, foram publicados./Crimes suaves, que ajudam a viver./Ração diária de erro, distribuída em casa/Os ferozes padeiros do mal./Os ferozes leiteiros do mal./Pôr fogo em tudo, inclusive em mim./Ao menino de 1918 chamavam anarquista/Porém meu ódio é o melhor de mim//Com ele me salvo//e dou a poucos uma esperança mínima./Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego./Uma flor ainda desbotada//ilude a polícia, rompe o asfalto./Façam completo silêncio, paralisem os negócios/garanto que uma flor nasceu/Sua cor não se percebe/Suas pétalas não se abrem/Seu nome não está nos livros//É feia. Mas é realmente uma flor. /Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde/e lentamente passo a mão nessa forma insegura./Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se/Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico./É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Nota-se no poema um eu-lírico mergulhado num mundo sufocante, em que tudo é igualado a mercadoria, tudo é tratado como matéria de consumo. Em meio a essa angústia, a existência corre o risco de se mostrar inútil, insignificante, o que justificaria a náusea, o mal-estar. Tudo se torna baixo, vil, marcado por “fezes, maus poemas, alucinações”.
No entanto, em meio a essa clausura sócio-existencial (que pode ser representada pela imagem, na terceira estrofe, do muro), o poeta vislumbra uma saída. Não se trata de idealismo ou mesmo de alienação – o poeta já deu sinais claros no texto de que não é capaz disso. Ou seja, não está imaginando, fantasiando uma mudança – ela de fato está para ocorrer, tanto que já é vislumbrada na última estrofe, com o anúncio de nuvens avolumando-se e das galinhas em pânico. É o nascimento da rosa, símbolo do desabrochar de um mundo novo, o que mantém o poeta vivo em meio a tanto desencanto.
Dois pontos ainda merecem ser observados no presente poema. O primeiro é o fato de que ele, além de ser o resumo das grandes temáticas da obra, acaba por explicar o seu título. Basta notar que, conforme dito no parágrafo anterior, a rosa indica o desabrochar de uma nova realidade, tão esperada pelo poeta. E a expressão “do povo” pode estar ligada a uma tendência esquerdista, socialista, muito presente em vários momentos do livro e anunciadas pela crítica ao universo capitalista na primeira (“Melancolias, mercadorias espreitam-me.”) e terceira estrofes (“Sob a pele das palavras há cifras e códigos.”). O novo mundo, portanto, teria características socialistas.
O outro item é visto pelo estreito relacionamento que “A Flor e a Náusea” estabelece com o poema a seguir, “Áporo”, um dos mais estudados, densos, complexos e enigmáticos da Literatura Brasileira.
Organiação: Professor Francisco Muriel

Análise: O Romanceiro da Inconfidência - Cecília Meireles (Vestibular UEL 2007)

O Romanceiro da Inconfidência
Aaautora
Nasceu no Rio de Janeiro em 1901, e faleceu em 1964. A própria Cecília nos conta seus primeiros contatos com a vida e a morte. "Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a morte que docentemente aprendi essas relações entre o efêmero e o eterno (...) Em toda a minha vida , nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade".
Em 1953, após anos de minuciosa pesquisa histórica, vem à luz, O Romanceiro da Inconfidência. Pouco depois, viaja para a Índia onde toma parte de um simpósio sobre Gandhi. Desse contato com o Oriente, surgem Poemas Escritos na Índia e parte das crônicas de Girofla, além da Elegia a Gandhi, traduzida para várias línguas. Conhece ainda Itália, Israel e Porto Rico.

Obra
A) Poesia
Espectros (1919)
Nunca Mais... e Poema dos Poemas (1923)
Baladas para El-Rei (1925)
Viagem (1939)
Vaga Música (1942)
Mar Absoluto (1945)
Retrato Natural (1949)
Amor em Leonoreta (1952)
Doze Noturnos de Holanda e O Aeronauta (1952)
Romanceiro da Inconfidência (1953)

Considerações Gerais
Como o nome sugere, romanceiro é uma coleção de romances.
Romance deve ser entendido, nesse caso, como um gênero de origem medieval, muito característico na península Ibérica, constituído de narrativas breves, sob forma de poemas épico-líricos, que originalmente eram cantados ao som de um instrumento, celebrando as aventuras e proezas de um herói de cavalaria ou fatos da nacionalidade de um povo. Preservadas pela memória popular, oralizados de forma fragmentária pelo povo, algumas ações mudavam de natureza e tomavam vida independente: ao lado das imagens objetivas e da narração, peculiares ao gênero épico-lírico, no qual se impõem notas de emoção e subjetividade, e o gênero dramático-lírico, no qual predominam os diálogos. Etimologicamente, o termo origina-se do latim romanice, ou seja, as narrativas eram feitas no loqui romanice (falar à maneira de Roma).
Segundo Cecília Meireles, anos depois da publicação do Romanceiro, em Ouro Preto, no I Festival da cidade onde se deu a Inconfidência: Muitas vezes me perguntei porque não teria existido um escritor do século XVIII - e houve tantos, em Minas! - que pudesse por escrito essa grandiosa e comovente história. Mas há duzentos anos de distância pode-se entender por que isso não aconteceu, principalmente se levarmos em conta o traumatismo provocado por um episódio desses, em tempos de duros castigos, severas perseguições, lutas sangrentas pela transformação do mundo, em grande parte estruturada por instituições secretas, de invioláveis arquivos.
Também muitas vezes me perguntei se devia obedecer a esse apelo dos meus fantasmas, e tomar o encargo de narrar a estranha história de que haviam participado e de que me obrigaram a participar também, tantos anos depois, de modo tão diferente, porém, com a mesma, ou talvez maior, intensidade.
Sem sombra de pessimismo, posso, no entanto, confirmar por experiência a verdade de que somos sempre e cada vez mais governados pelos mortos.
No decorrer das minhas incertezas e dos meus escrúpulos em aproximar-me de tema tão grave, os fantasmas começaram a repetir suas próprias palavras de outrora: as palavras registradas no depoimento do processo, ou na memória tradicional, vinham muitas vezes e inesperadamente, já metrificadas.(...) Até os nomes de alguns personagens foram versos perfeitos:
"To/más/An/tô/nio/Gon/za/ga"
1 2 3 4 5 6 7
"Do/na/Bár/ba/ra E/lio/do/ra"
1 2 3 4 5 6 7
"Joa/quim/Jo/sé/da/Sil/va/Xa/vi/er"
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Assim, a primeira tentação diante do tema insigne, e conhecendo-se, tanto quanto possível, através dos documentos do tempo, seus pensamentos e sua fala, seria reconstituir a tragédia na forma dramática em que foi vivida, redistribuindo a cada figura o seu verdadeiro papel. Mas se isso bastasse, os documentos oficiais com seus interrogatórios e respostas, suas cartas, sentenças e defesas realizariam a obra de arte ambicionada, e os fantasmas sossegariam, satisfeitos.

Os "Cenários", os "Romances" e as "Falas"
Há três estruturas que se alternam no poema: os romances, os cenários e as falas. Os romances , em número de oitenta e cinco, reconstituem a história, compondo o fio narrativo; os cenários situam os ambientes, marcando as mudanças de atmosfera e localizando os acontecimentos; e as falas representam uma intervenção do poeta-narrador , tecendo comentários e convidando o leitor a refletir sobre os fatos revividos no relato.
Os romances não são dispostos na seqüência cronológica dos acontecimentos; ora aparecem isolados, ora constituem-se em verdadeiros ciclos (o de Chica da Silva, o do Alferes, o de Gonzaga, o da Morte de Tiradentes, o de Gonzaga no exílio, o de Bárbara Heliodora, o da Rainha D. Maria).
Características do Romanceiro
a) A herança simbolista e o espiritualismo: um ar de mistério, de crença no imaterial, no extraterreno, perpassa todo o poema. O culto do etéreo, das palavras aéreas marca a ânsia de dar forma ao informe. Expressões como: atroz labirinto de esquecimento, mistério , esquema sobre-humano, silenciosas vertentes, inexplicáveis torrentes instauram um halo espiritualista de crença no imaterial.

b) A utilização do redondilho maior (verso heptassilábico), sem rimas externas regulares (versos brancos), e a exploração da camada sonora, através de aliterações e assonâncias, conferem à Fala Inicial um tom enfático, declaratório, reforçado pelas exclamações e interrogações.

c) O tom evocativo: o mergulho no passado, no atroz labirinto do tempo, nas ressonâncias incansáveis de Vila Rica revela a ânsia da procura de um significado para os fatos: Ó meio-dia confuso / ó vinte-e-um de abril sinistro, / que intrigas de ouro e de sonho / houve em tua formação? / Quem condena, julga e pune? Quem é culpado e inocente?. É como se a poetisa, evocando Tiradentes na força, questionasse a casa do martírio. Foi a ambição do ouro? Foi o sonho de liberdade que iluminou aquela gente?

d) O tom inquiridor: o clima de mistério e ansiedade, as lacunas históricas incontornáveis e a busca de um sentido para os fatos projetam-se nas interrogativas que surgem a cada momento. Revelando o mistério que envolve até hoje o "embuçado" e a morte de Cláudio Manuel da Costa, o Romance XXXVIII é composto só de interrogações. O embuçado teria sido um mensageiro mascarado, disfaçado, que viera para tentar salvar Cláudio Manuel da Costa: Homem ou mulher? Quem soube? / Veio por si? Foi mandado? / A que horas foi? De que noite? / Visto ou sonhado?.

e) A dualidade: reflete a ambivalência ou ambigüidade que caracterizam as ações do homem - herói e traidor, ódio e amor, punhal e flor, bons e maus, riqueza e miséria. Observe, na Fala Inicial: amores x ódios (v.4); intrigas de outo e de sonho; (v.19); culpado x inocente (v.22); castigo x perdão (v.24), coroas x machados (v.31); mentira x verdade (v.32); ruínas x exaltação (v.43).
Resumo
Podemos dividir os fatos que compõem o Romanceiro em três partes ou ciclos:
a) ciclo do ouro;
b) ciclo do diamante;
c) ciclo da liberdade ou inconfidência com sua ascensão e queda. Aí parece haver uma gradação proposital: ouro/diamante/liberdade.
Como o ouro e o diamante, a liberdade brilhou intensamente nas Minas Gerais, mas como o ouro e o diamante, a liberdade só trouxe desgraças, masmorras e mortes....

a) Ciclo do ouro - O cenário colocado para o ciclo do ouro prenuncia também o ciclo da liberdade, no qual "a mão do Alferes de longe acena" como a querer dizer:

b) Ciclo do diamante - Continua a corrida alucinante. Agora é a vez do diamante nas regiões do Serro Frio e do Tejuco, onde vive o contratador João Fernandes, "dono da terra opulenta". Chega às suas terras, com o fim de persegui-lo, o Conde de Valadares, homem enganoso e fingido. Hospeda na casa de João, que lhe abre a casa e o coração das mulatas, menos o de Chica da Silva. Sua riqueza é imensa e o fingido conde suspira de cobiça:

c) Ciclo da liberdade - A poesia apresenta o cenário onde vão se desenrolar os fatos: enumeração, sobretudo, dos lugares e fixação na névoa que chega às ruas, move a ilusão de tempo e figuras e que trará, fatalmente, o pranto e a saudade.
Organização: Professor Francisco Muriel.

Análise: Mensagem - Fernando Pessoa (Vestibular UEL 2007)

“ Mensagem” de Fernando Pessoa.
Mensagem (1934), foi o único livro em língua portuguesa publicado por Pessoa.
Os poemas do livro estão organizados de forma a compor uma epopéia fragmentária, em que o conjunto dos textos líricos acaba formando um elogio de teor épico a Portugal. Traçando a história do seu país, Pessoa segue por um nacionalismo místico de caráter sebastianista.
O livro Mensagem está dividido em três partes: Brasão, Mar português e O Encoberto.
Na primeira, conta-se a história das glórias portuguesas. Na segunda, são apresentadas as navegações e conquistas marítimas de Portugal. Na terceira, é apresentado o mito sebastianista de retorno de Portugal às épocas de glória.
A primeira parte de Mensagem, Brasão, se estrutura como o brasão português, que é formado por dois campos: um apresenta sete castelos, o outro, cinco quinas. No topo do brasão, estão a coroa e o timbre, que apresenta o grifo, animal mitológico que tem cabeça de leão e asas de águia. Assim se dividem os poemas desta parte, remetendo ao brasão de Portugal. Versam sobre as grandes figuras da história de Portugal, desde Dom Henrique, fundador do Condado Portucalenses, passando por sua esposa, Dona Tareja, e seu filho, primeiro rei de Portugal, Dom Afonso Henriques, até o infante Dom Henrique (1394-1460), fundador da Escola de Sagres e grande fomentador da expansão ultramarina portuguesa, e Afonso de Albuquerque (1462-1515), dominador português do Oriente. Até o mito de Ulisses, que teria fundado a cidade de Ulissepona, depois Lisboa, é apresentado:
"O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo."
A segunda parte, Mar português, apresenta as principais etapas da expansão ultramarina que levou Portugal a ocupar um lugar de destaque no mundo durante os séculos XV e XVI:
"E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português."
Já a última parte, O Encoberto, apresenta o misticismo em torno da figura de Dom Sebastião, rei de Portugal cuja frota foi dizimada em ataque aos mouros em 1578. Muitas previsões, como a do sapateiro Bandarra e a do padre Antônio Vieira, prevêem o retorno de Dom Sebastião para resgatar o poderio de Portugal, criando o Quinto Império, marcando a supremacia de Portugal sobre o mundo:
"Grécia, Roma, Cristandade,
Europa, os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu dom Sebastião?"
3 – Disserte sobre os conflitos espelhados na poesia de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa.
Heterônimo mais próximo do Ortônimo de pessoa , Álvaro de Campos representa e simboliza o homem de sua época. Em uma relação que aparece na obra de Antônio Quadros, estudioso e critico literário, em que heterônimos e ortônimos são comparados aos quatros elementos, Álvaro de Campos simboliza a água.
Em sua poesia, teremos a representação desse homem moderno, que reflete e exalta o progresso e a modernidade. Tais como: as máquinas, indústrias, grandes construções, avanços laboratoriais e a nova ordem política.
“ Eh-lá-hô fachadas das grandes loja!,
Eh-lás-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!”
Porém, ele analisa as conseqüências causadas por esse novo modo de vida, a mudança comportamental das pessoas, com suas novas profissões, sempre apressadas, a lotar e esvaziar os ônibus, e tendo que gastar seu tempo e dinheiro nas grandes lojas de fachadas luminosas. E como uma visão profética descreve qual será o fim desse avanço.
“ (...) E cuja filha aos oito anos(....)
Masturbam homens de aspectos decente nos vão de escada.(...)
Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágio delicioso dos grandes transatlântico!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali ,acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões(...)
Por isso, vemos espelhado na poesia de Campos, a solidão do homem moderno, impotente e incapaz de se adaptar a esse novo modo de vida, a tristeza de perder sua autonomia e ser transformado em números nas fábricas, rosto na multidão que passa com pressa, quase o atropelando, um homem que vê o mundo atrás de sua
janela, enquanto ninguém sabe que ele está ali. Assim, o poeta torna-se agressivo e viril, cheio de melancolia, preso ao isolamento voluntário.
No plano da Metafísica, Campos assemelha-se a Pessoa ortônimo, pois como ele, acredita na existência da alma, e o corpo é visto como uma prisão onde só há sofrimento, e só a morte pode libertá-lo.
Quanto a linguagem, notamos em sua poesia o uso de onomatopéias, “r-r-r-r-r das engrenagens”, z-z-z-z-z das máquina”, e também das palavras estrangeiras, “Canadian-Pacific, foule, souteneur, etc...”.
Seus versos assumem as características dos versos modernos, desprovidos de metrificação, quase sem rimas, variações das sílabas e das estrofes.
4 – Disserte sobre as reflexões presentes em “O Guardador de Rebanhos”, de Alberto Caeiro.
Heterônimo que mais se distancia do ortônimo de Pessoa, destaca-se por sua afinidade com as coisas naturais e seu único desejo, o de ser poeta.
“Ser poeta não é uma ambição minha,
É minha maneira de estar sozinho”.
É classificado por Antônio Quadros, em sua relação com os quatros elementos como sendo a terra, que tanto será exaltada em seus versos.
Caeiro em sua poesia se mostra tipicamente mundano, ligado as experiência sensoriais, sua felicidade é alcançada quando ele vê e sente as coisas simples do mundo. O poeta nega a metafísica das coisas e diz que misterioso é haver quem pense no mistério e que não devemos pensar nas coisas e sim senti-las
“ Pensar incomoda como andar à chuva.
Quando o vento cresce e parece que chove mais(...)
Pensar é estar doentes dos olhos(...)
Pensar uma flor é vê-la, cheirá-la”
Por negar a existência da metafísica, podemos considera-lo pagão, pois ele não acredita no que não possa ver, logo não acredita em Deus e diz que só acreditaria nele se ele entrasse pela porta de seu quarto e dissesse: “Aqui estou”. Porém adverte.
“Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o luar
Então acredito nele(...)
Para que chamo-lhe Deus?
Chamo-lhe flores e arvores e montes e luar”
Em perfeita consonância com sua busca de simplicidade e espontaneidade, Alberto Caeiro escreve versos livres (sem métrica regular) e brancos (sem rimas).
5 – Disserte sobre as reflexões presentes em “O Cancioneiro”, de Pessoa ortônimo.
Em o Cancioneiro de Fernando Pessoa Ortônimo ( orto – reto , próprio + nimo- referente à nome), encontraremos uma reflexão que é própria do “homem” Pessoa. Comecemos pela tristeza que nos é revelada nos versos de seu cancioneiro, como algo que é imposto aos homens, e essa, só passa com a morte ou instantaneamente com o sono. Para Antônio Quadros, Pessoa ortonimo, classifica-se como o fogo.
Lembremos de quem foi o “homem” Pessoa, verdadeiro caçador da verdade ( Metafísica) , e isso, segundo seus biógrafos, ele foi buscar no espiritismo, na alquimia, na gnose, e por último no álcool e nas drogas. Em sua poesia também não podia ser diferente. O poeta coloca-se como alguém que é controlado por algo maior, a alma .
“De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo”
E assim, na sua busca insensante, o poeta acaba apegando-se à solidão, onde só a reflexão e a observação parece aliar-se a seu intento dando um tom de efemeridade às coisa mundana.
Um tom de saudosismo de algo ainda não conhecida transborda a alma do poeta.
“Nesta hora mais que em outra choro
O que perdi
Em cinza e ouro rememoro
E nuca eu o vi”.
Essa busca só terá um final na hora derradeira, para quem o poeta clama.
“Toma-me, ó noite eterna
Nos teus braços
E chama-me teu filho”.
Pessoa , apesar de modernista, apresenta em sua poesia, características do Simbolismo, tais como: o saudosismo em seu tema; a beleza métrica com sua rimas perfeitas, abundância de paralelismo e aliterações, e sua maneira intelectualizada de compor.
Organização: Professor Francisco Muriel.

Análise: Mensagem - Fernando Pessoa (Vestibular UEL 2007)

“ Mensagem” de Fernando Pessoa.
Mensagem (1934), foi o único livro em língua portuguesa publicado por Pessoa.
Os poemas do livro estão organizados de forma a compor uma epopéia fragmentária, em que o conjunto dos textos líricos acaba formando um elogio de teor épico a Portugal. Traçando a história do seu país, Pessoa segue por um nacionalismo místico de caráter sebastianista.
O livro Mensagem está dividido em três partes: Brasão, Mar português e O Encoberto.
Na primeira, conta-se a história das glórias portuguesas. Na segunda, são apresentadas as navegações e conquistas marítimas de Portugal. Na terceira, é apresentado o mito sebastianista de retorno de Portugal às épocas de glória.
A primeira parte de Mensagem, Brasão, se estrutura como o brasão português, que é formado por dois campos: um apresenta sete castelos, o outro, cinco quinas. No topo do brasão, estão a coroa e o timbre, que apresenta o grifo, animal mitológico que tem cabeça de leão e asas de águia. Assim se dividem os poemas desta parte, remetendo ao brasão de Portugal. Versam sobre as grandes figuras da história de Portugal, desde Dom Henrique, fundador do Condado Portucalenses, passando por sua esposa, Dona Tareja, e seu filho, primeiro rei de Portugal, Dom Afonso Henriques, até o infante Dom Henrique (1394-1460), fundador da Escola de Sagres e grande fomentador da expansão ultramarina portuguesa, e Afonso de Albuquerque (1462-1515), dominador português do Oriente. Até o mito de Ulisses, que teria fundado a cidade de Ulissepona, depois Lisboa, é apresentado:
"O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo."
A segunda parte, Mar português, apresenta as principais etapas da expansão ultramarina que levou Portugal a ocupar um lugar de destaque no mundo durante os séculos XV e XVI:
"E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português."
Já a última parte, O Encoberto, apresenta o misticismo em torno da figura de Dom Sebastião, rei de Portugal cuja frota foi dizimada em ataque aos mouros em 1578. Muitas previsões, como a do sapateiro Bandarra e a do padre Antônio Vieira, prevêem o retorno de Dom Sebastião para resgatar o poderio de Portugal, criando o Quinto Império, marcando a supremacia de Portugal sobre o mundo:
"Grécia, Roma, Cristandade,
Europa, os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu dom Sebastião?"
3 – Disserte sobre os conflitos espelhados na poesia de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa.
Heterônimo mais próximo do Ortônimo de pessoa , Álvaro de Campos representa e simboliza o homem de sua época. Em uma relação que aparece na obra de Antônio Quadros, estudioso e critico literário, em que heterônimos e ortônimos são comparados aos quatros elementos, Álvaro de Campos simboliza a água.
Em sua poesia, teremos a representação desse homem moderno, que reflete e exalta o progresso e a modernidade. Tais como: as máquinas, indústrias, grandes construções, avanços laboratoriais e a nova ordem política.
“ Eh-lá-hô fachadas das grandes loja!,
Eh-lás-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!”
Porém, ele analisa as conseqüências causadas por esse novo modo de vida, a mudança comportamental das pessoas, com suas novas profissões, sempre apressadas, a lotar e esvaziar os ônibus, e tendo que gastar seu tempo e dinheiro nas grandes lojas de fachadas luminosas. E como uma visão profética descreve qual será o fim desse avanço.
“ (...) E cuja filha aos oito anos(....)
Masturbam homens de aspectos decente nos vão de escada.(...)
Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágio delicioso dos grandes transatlântico!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali ,acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões(...)
Por isso, vemos espelhado na poesia de Campos, a solidão do homem moderno, impotente e incapaz de se adaptar a esse novo modo de vida, a tristeza de perder sua autonomia e ser transformado em números nas fábricas, rosto na multidão que passa com pressa, quase o atropelando, um homem que vê o mundo atrás de sua
janela, enquanto ninguém sabe que ele está ali. Assim, o poeta torna-se agressivo e viril, cheio de melancolia, preso ao isolamento voluntário.
No plano da Metafísica, Campos assemelha-se a Pessoa ortônimo, pois como ele, acredita na existência da alma, e o corpo é visto como uma prisão onde só há sofrimento, e só a morte pode libertá-lo.
Quanto a linguagem, notamos em sua poesia o uso de onomatopéias, “r-r-r-r-r das engrenagens”, z-z-z-z-z das máquina”, e também das palavras estrangeiras, “Canadian-Pacific, foule, souteneur, etc...”.
Seus versos assumem as características dos versos modernos, desprovidos de metrificação, quase sem rimas, variações das sílabas e das estrofes.
4 – Disserte sobre as reflexões presentes em “O Guardador de Rebanhos”, de Alberto Caeiro.
Heterônimo que mais se distancia do ortônimo de Pessoa, destaca-se por sua afinidade com as coisas naturais e seu único desejo, o de ser poeta.
“Ser poeta não é uma ambição minha,
É minha maneira de estar sozinho”.
É classificado por Antônio Quadros, em sua relação com os quatros elementos como sendo a terra, que tanto será exaltada em seus versos.
Caeiro em sua poesia se mostra tipicamente mundano, ligado as experiência sensoriais, sua felicidade é alcançada quando ele vê e sente as coisas simples do mundo. O poeta nega a metafísica das coisas e diz que misterioso é haver quem pense no mistério e que não devemos pensar nas coisas e sim senti-las
“ Pensar incomoda como andar à chuva.
Quando o vento cresce e parece que chove mais(...)
Pensar é estar doentes dos olhos(...)
Pensar uma flor é vê-la, cheirá-la”
Por negar a existência da metafísica, podemos considera-lo pagão, pois ele não acredita no que não possa ver, logo não acredita em Deus e diz que só acreditaria nele se ele entrasse pela porta de seu quarto e dissesse: “Aqui estou”. Porém adverte.
“Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o luar
Então acredito nele(...)
Para que chamo-lhe Deus?
Chamo-lhe flores e arvores e montes e luar”
Em perfeita consonância com sua busca de simplicidade e espontaneidade, Alberto Caeiro escreve versos livres (sem métrica regular) e brancos (sem rimas).
5 – Disserte sobre as reflexões presentes em “O Cancioneiro”, de Pessoa ortônimo.
Em o Cancioneiro de Fernando Pessoa Ortônimo ( orto – reto , próprio + nimo- referente à nome), encontraremos uma reflexão que é própria do “homem” Pessoa. Comecemos pela tristeza que nos é revelada nos versos de seu cancioneiro, como algo que é imposto aos homens, e essa, só passa com a morte ou instantaneamente com o sono. Para Antônio Quadros, Pessoa ortonimo, classifica-se como o fogo.
Lembremos de quem foi o “homem” Pessoa, verdadeiro caçador da verdade ( Metafísica) , e isso, segundo seus biógrafos, ele foi buscar no espiritismo, na alquimia, na gnose, e por último no álcool e nas drogas. Em sua poesia também não podia ser diferente. O poeta coloca-se como alguém que é controlado por algo maior, a alma .
“De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo”
E assim, na sua busca insensante, o poeta acaba apegando-se à solidão, onde só a reflexão e a observação parece aliar-se a seu intento dando um tom de efemeridade às coisa mundana.
Um tom de saudosismo de algo ainda não conhecida transborda a alma do poeta.
“Nesta hora mais que em outra choro
O que perdi
Em cinza e ouro rememoro
E nuca eu o vi”.
Essa busca só terá um final na hora derradeira, para quem o poeta clama.
“Toma-me, ó noite eterna
Nos teus braços
E chama-me teu filho”.
Pessoa , apesar de modernista, apresenta em sua poesia, características do Simbolismo, tais como: o saudosismo em seu tema; a beleza métrica com sua rimas perfeitas, abundância de paralelismo e aliterações, e sua maneira intelectualizada de compor.
Organização: Professor Francisco Muriel.

Análise: Dom Casmurro - Machado de Assis (Vestibular UEL 2007)

Dom Casmurro - Machado de Assis
Vivendo no Engenho Novo, um subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, quase recluso em sua casa, construída segundo o molde da que fora a de sua infância, na Rua de Matacavalos, Bento de Albuquerque Santiago, com cerca de 54 anos e conhecido pela alcunha de Dom Casmurro por seu gosto pelo isolamento, decide escrever sua vida.Alternando a narração dos fatos passados com a reflexão sobre os mesmos, no presente, o protagonista/narrador informa ter nascido em 1842 e ser filho de Pedro de Albuquerque Santiago e de D. Maria da Glória Fernandes Santiago. O pai, dono de uma fazendola em ltaguaí, mudara-se para a cidade do Rio de Janeiro por volta de 1844, ao ser eleito deputado. Alguns anos depois falece e a viúva, preferindo ficar na cidade a retornar a ltaguaí, vende a fazendola e os escravos, aplica seu dinheiro em imóveis e apólices e passa a viver de rendas, permanecendo na casa de Matacavalos, onde vivera com o marido desde a mudança para o Rio de Janeiro.A vida do protagonista/narrador transcorre sem maiores incidentes até a "célebre tarde de novembro" de 1857, quando, ao entrar em casa, ouve pronunciarem seu nome e esconde-se rapidamente atrás da porta. Na conversa entre sua mãe e o agregado José Dias, que morava com a família desde os tempos de ltaguaí, Bentinho, como era então chamado, fica sabendo que sua mãe se mantém firme na intenção de colocá-lo no seminário a fim de seguir a carreira eclesiástica, segundo promessa que fizera a Deus caso tivesse um segundo filho varão, já que o primeiro morrera ao nascer.Bentinho, que há muito tinha conhecimento das intenções de sua mãe, sofre violento abalo, pois fica sabendo que a reativação da promessa, que parecia esquecida, devia-se ao fato de José Dias ter informado D. Glória a respeito de seu incipiente namoro com Capitolina Pádua, que morava na casa ao lado. Capitu, como era chamada, tinha então catorze anos e era filha de um tal de Pádua, burocrata de uma repartição do Ministério da Guerra. A proximidade, a convivência e a idade haviam feito com que os dois adolescentes criassem afeição um pelo outro. D. Glória, ao saber disto, fica alarmada e decide apressar o cumprimento da promessa. Os planos de Capitu, informada do assunto, e Bentinho para, com a ajuda de José Dias, impedir que D. Glória cumprisse a decisão ou que, pelo menos, a adiasse, fracassam. Como último recurso, o próprio Bentinho revela à mãe não ter vocação, o que também não a faz voltar atrás. Tio Cosme, um viúvo, irmão de D. Glória e advogado aposentado que vivia na casa desde que seu cunhado falecera, e a prima Justina, também viúva, que, há muitos anos, morava com a mãe de Bentinho, procuram não se envolver no problema. Assim, a última palavra fica com D. Glória, que, com o apoio do padre Cabral, um amigo de Tio Cosme, decide finalmente cumprir a promessa e o envia ao seminário, prometendo, contudo, que se dentro de dois anos não revelasse vocação para o sacerdócio estaria livre para seguir outra carreira. Antes da partida de Bentinho, este e Capitu juram casar-se.No seminário, Bentinho conhece Ezequiel de Sousa Escobar, filho de um advogado de Curitiba. Os dois tornam-se amigos e confidentes. Em um fim de semana em que Bentinho visita D. Glória, Escobar o acompanha e é apresentado a todos, inclusive a Capitu. Esta, depois da partida de Bentinho, começara a freqüentar assiduamente a casa de D. Glória, do que nascera aos poucos grande afeição recíproca, a ponto de D. Glória começar a pensar que se Bentinho se apaixonasse por Capitu e casasse com ela a questão da promessa estaria resolvida a contento de todos, pois Bentinho, que a quebraria, não a fizera, e ela, que a fizera, não a quebraria.Enquanto isto, Bentinho continuava seus esforços junto a José Dias, que, tendo fracassado em seu plano de fazê-lo estudar medicina na Europa, sugeria agora que ambos fossem a Roma pedir ao Papa a revogação da promessa. A solução definitiva, contudo, partiu de Escobar. Segundo este, D. Glória prometera a Deus dar-lhe um sacerdote, mas isto não queria dizer que o mesmo deveria ser necessariamente seu filho. Sugeriu então que ela adotasse algum órfão e lhe custeasse os estudos. D. Glória consultou o padre Cabral, este foi consultar o bispo e a solução foi considerada satisfatória. Livre do problema, Bentinho deixa o seminário com cerca de 17 anos e vai a São Paulo estudar, tornando-se, cinco anos depois, o advogado Bento de Albuquerque Santiago. Por sua parte, Escobar, que também saíra do seminário, tornara-se um comerciante bem-sucedido, vindo a casar com Sancha, amiga e colega de escola de Capitu. Em 1865, Bento e Capitu finalmente casam, passando a morar no bairro da Glória. O escritório de advocacia progride e a felicidade do casal seria completa não fosse a demora em nascer um filho. Isto faz com que ambos sintam inveja de Escobar e Sancha, que tinham tido uma filha, batizada com o nome de Capitolina. Depois de alguns anos, nasce Ezequiel, assim chamado para retribuir a gentileza do casal de amigos, que dera à filha o nome da amiga de Sancha.Ezequiel revela-se muito cedo um criança inquieta e curiosa, tornando-se a alegria dos pais e servindo para estreitar ainda mais as relações de amizade entre os dois casais. A partir do momento em que Escobar e Sancha, que moravam em Andaraí, resolvem fixar residência no Flamengo, a convivência entre as duas famílias torna-se completa e os pais chegam a falar na possibilidade de Ezequiel e Capituzinha, como era chamada a pequena Capitolina, virem a se casar.Em 1871 Escobar, que gostava de nadar, morre afogado. No enterro, Capitu, que amparava Sancha, olha tão fixamente e com tal expressão para Escobar morto que Bento fica abalado e quase não consegue pronunciar o discurso fúnebre. A perturbação, contudo, desaparece rapidamente. Sancha retira-se em seguida para a casa dos parentes no Paraná, o escritório de Bento continua a progredir e a união entre o casal segue crescendo. Até o momento em que, cerca de um anos depois, advertido pela própria Capitu, Bento começa a perceber as semelhanças de Ezequiel com Escobar. À medida que o menino cresce, estas semelhanças aumentam a tal ponto que em Ezequiel parece ressurgir fisicamente o velho companheiro de seminário. As relações entre Bento e Capitu deterioram-se rapidamente. A solução de colocar Ezequiel num internato não se revela eficaz, já que Bento não suporta mais ver o filho, o qual, por sua vez, se apega a ele cada vez mais, tomando a situação ainda mais crítica.Num gesto extremo, Bento decide suicidar-se com veneno, colocado numa xícara de café. Interrompido pela chegada de Ezequiel, altera intempestivamente seu plano e decide dar o café envenenado ao filho mas, no último instante, recua e em seguida desabafa, dizendo a Ezequiel que não é seu pai. Neste momento Capitu entra na sala e quer saber o que está acontecendo. Bento repete que não é pai de Ezequiel e Capitu exige que diga por que pensa assim. Apesar de Bento não conseguir expor claramente suas idéias, Capitu diz saber que a origem de tudo é a casualidade da semelhança, argumentando em seguida que tudo de deve à vontade de Deus. Capitu retira-se e vai à missa com o filho. Bento desiste do suicídio.Durante a discussão fica decidido que a separação seria o melhor caminho. Para manter as aparências, o casal parte pouco depois rumo à Europa, acompanhado do filho. Bento retorna a seguir, sozinho. Trocam algumas cartas e Bento viaja outras vezes à Europa, sempre com o objetivo de manter as aparências, mas nunca mais chega a encontrar-se com Capitu. Tempos depois morrem D. Glória e José Dias.Bento retira-se para o Engenho Novo. Ali, certo dia, recebe a visita de Ezequiel de Albuquerque Santiago, que era então a imagem perfeita de seu velho colega de seminário. Capitu morrera e fora enterrada na Europa. Ezequiel permanece alguns meses no Rio e depois parte para uma viagem de estudos científicos no Oriente Médio, já que era apaixonado pela arqueologia. Onze meses depois morre de febre tifóide em Jerusalém e é ali enterrado.O adultério de Capitu não está bem esclarecido para o leitor, já que o próprio narrador-personagem, no decorrer da história, apresenta uma série de indícios, provas e contraprovas, como o fato de Capitu ser parecidíssima com a mãe de Sancha, sem haver, com toda certeza, qualquer parentesco entre elas.Mortos todos, familiares e velhos conhecidos, Bento/Dom Casmurro fecha-se em si próprio, mas não se isola e encontra muitas amigas que o consolam. Jamais, porém, alguma delas o faz esquecer a primeira amada de seu coração, que o traíra com seu melhor amigo. Assim quisera o destino. Decide escrever um livro de memórias na tentativa de atar passado e presente, da "construção ou reconstrução" de si mesmo. É certo que, antes da narrativa, tenta recompor seu passado construindo uma casa em tudo semelhante à de sua adolescência, todavia esse artifício mostra-se inútil e frustrante. Por isso, passa a essa outra alternativa: a da narrativa, que se mostra eficaz. E após seu término, para esquecer tudo, nada melhor que escrever, segundo decide, um outro livro: uma História dos subúrbios do Rio de Janeiro.

Breves Comentários – personagens, narrador, narratário, fábula e trama
Em Dom Casmurro, as personagens são apresentadas a partir das descrições de seus dotes físicos Temos, portanto, a descrição, funcional, bastante comum no Realismo.

As personagens principais são :
Capitu, "criatura de 14 anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, ... morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo ... calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos". Personagem que tem o poder de surpreender : "Fiquei aturdido. Capitu gostava tanto de minha mãe, e minha mãe dela, que eu não podia entender tamanha explosão". Segundo José Dias, Capitu possuía "olhos de cigana oblíqua e dissimulada", mas para Bentinho os olhos pareciam "olhos de ressaca"; "Traziam não sei que fluido misterioso e energético, uma força que arrastava para dentro, com a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca".
Bentinho, também protagonista, que ocupa uma postura de anti-herói. Não pretendia ser padre como determinara sua mãe, mas tencionava casar-se com Capitu, sua amiga de infância. Um fato interessante é que os planos, para não entrar no seminário, eram sempre elaborados por Capitu.

As personagens secundárias são descritas pelo narrador :
Dona Glória, mãe de Bentinho, que desejava fazer do filho um padre, devido a uma antiga promessa, mas, ao mesmo tempo, desejava tê-lo perto de si, retardando a sua decisão de mandá-lo para o Seminário. Portanto, no início encontra-se como opositora, tornando-se depois, adjuvante. As suas qualidades físicas e espirituais...
Tio Cosme, irmão de Dona Glória, advogado, viúvo, "tinha escritório na antiga Rua das Violas, perto do júri... trabalhava no crime"; "Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos". Ocupa uma posição neutra : não se opunha ao plano de Bentinho, mas também não intervinha como adjuvante.
José Dias, agregado, "amava os superlativos", "ria largo, se era preciso, de um grande riso sem vontade, mas comunicativo ... nos lances graves, gravíssimo", "como o tempo adquiriu curta autoridade na família, certa audiência, ao menos; não abusava, e sabia opinar obedecendo", "as cortesias que fizesse vinham antes do cálculo que da índole". Tenta, no início, persuadir Dona Glória à mandar Bentinho para o Seminário, passando-se, depois, para adjuvante.
Prima Justina, prima de Dona Glória. Parece opor-se por ser muito egoísta, ciumenta e intrigante. Viúva, e segundo as palavras do narrador : "vivia conosco por favor de minha mãe, e também por interesse", "dizia francamente a Pedro o mal que pensava de Paulo, e a Paulo o que pensava de Pedro".
Pedro de Albuquerque Santiago, falecido, pai de Bentinho. A respeito do pai o narrador coloca : "Não me lembro nada dele, a não ser vagamente que era alto e usava cabeleira grande; o retrato mostra uns olhos redondos, que me acompanham para todos os lados..."
Sr. Pádua e Dona Fortunata, pais de Capitu. O primeiro, "era empregado em repartição dependente do Ministério da Guerra" e a mãe "alta, forte, cheia, como a filha, a mesma cabeça, os mesmos olhos claros". Jamais opuseram-se à amizade de Capitu e Bentinho.
Padre Cabral, personagem que encontra a solução para o caso de Bentinho; se a mãe do menino sustentasse um outro, que quisesse ser padre, no Seminário, estaria cumprida a promessa.
Escobar, amigo de Bentinho, seminarista, "era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos, ... como tudo".
Sancha, companheira de Colégio de Capitu, que mais tarde casa-se com Escobar.
Ezequiel, filho de Capitu e Bentinho (Será ?). Tem o primeiro nome de Escobar (idéia de Bentinho, em colocar o mesmo). Vai para a Europa com a mãe, sendo que mais tarde, já moço, volta ao Brasil para rever o pai. Morre na Ásia.
Através das descrições que se faz das personagens, percebe-se um fato comum: os olhos, tão bem explorados por Machado de Assis, como nos exemplos "Olhos de cigana oblíqua e dissimulada", "olhos de ressaca", "olhos dorminhocos", "olhos redondos, que me acompanham para todos os lados". Na verdade, esses elementos físicos, muitas vezes, destacam o estado interior; tem-se um retrato íntimo das personagens. Em "olhos redondos" percebe-se uma característica física, mas, logo após, verifica-se um importante traço psicológico: "...que me acompanham para todos os lados"; que me observam, me estudam. Quanto ao narrador, é homodiegético (aquele narrador que conta e participa da história) e, também, por se tratar do personagem principal, autodiegético. Já em relação ao narratário (o receptor do texto narrativo, a criatura ficcional ou não a quem se dirige o emissor-narrador), vê-se que é extradiegético mencionado, leitor virtual não ficcional. O personagem-narrador dialoga constantemente com os leitores: "Não me tenhas por sacrilégio, leitora minha devota, a limpeza da intenção...", "Por outro lado, leitor amigo, nota que eu queria...", "Sim, leitora castíssima, como diria o meu finado...".Percebe-se claramente a fábula, conjunto de acontecimentos ligados entre si e narrados no decorrer da obra, e a trama, constituída pelos mesmos acontecimentos da fábula, mas caracterizada mais por um procedimento estético, em que o artista revolve com os fatos, não precisando se preocupar em seguir a ordem cronológica da fábula. Em Dom Casmurro, a narrativa encontra-se "in ultimas res", com a presença de analepses, quando o artista volta no tempo, no passado. A fábula é a história em si, a que o narrador quer nos contar, e a trama é o modo como ele nos narra a fábula; a ordem dos fatos na trama é diferente da ordem dos fatos na fábula.
A questão do adultério
Não se sabe ao certo se houve ou não adultério por parte de Capitu e Escobar, já que o personagem-narrador apresenta, no decorrer da narrativa, vários indícios, provas e até contraprovas. Os leitores podem até pender para o lado de um (Bentinho) ou para o de outra (Capitu), entretanto a dúvida sobre o adultério permanece. Machado de Assis, talvez com a intenção de entregar ao leitor este difícil julgamento, foi brilhante ao estruturar sua obra com a apresentação tanto de provas quanto de contraprovas.Primeiramente, atenta-se para a escolha de uma narrativa em primeira pessoa e, portanto, do personagem-narrador, o marido atormentado pela dúvida. Tudo o que se sabe é através de Bentinho, que narra os fatos; além da limitação, pois o leitor é informado apenas sobre o que o narrador conhece ou presencia, há também a possibilidade de Bentinho passar a sua visão das coisas, movido pelo ciúmes e pela imaginação. Desse modo, não se sabe o que é verdadeiramente concreto, real, dentro do romance, ou o que seja imaginado por Bentinho; dedução sua na observação dos fatos. Ele mesmo afirma "A imaginação foi a companheira de toda a minha existência ...".O ciúme generalizado de Bentinho por Capitu toma espaço na narrativa, permitindo-se concluir que Dom Casmurro foi precipitado ao deduzir que Capitu amava Escobar. Desde o início, fica claro o ciúme: "Diante dessa fagulha, que bem podia ser uma maldade do agregado ou pura provocação, Bentinho se vê possuído de "um sentimento cruel e desconhecido, o puro ciúme". Ou ainda quando conversando com Capitu na janela, um jovem passa e olha para ela, que retribui o olhar. Já casados, o ciúme continua presente; Bentinho tem ciúme do mar, quando Capitu permanece com o olhar perdido no mar: "Venho explicar-te que tive tais ciúmes pelo que podia estar na cabeça de minha mulher, não fora ou acima dela".O ciúme é tanto que chega a declarar, em determinado ponto da narrativa, que chegou a tê-lo "de tudo e de todos" e acrescenta "Um vizinho, um par de valsa, qualquer homem, qualquer moço ou maduro, me enchia de terror ou desconfiança".Outras passagens já põem em evidência o clima de traição. É o caso do comentário feito a respeito da teoria do velho tenor italiano – "a vida é uma ópera" -, quando Bento afirma, que em sua ópera, ele cantou "um duo terníssimo, depois um trio, depois um quatuor..." como referência ao seu drama-ópera: o duo, composto de Bento e Capitu; o trio, Bento, Capitu e Escobar, o quatuor, quarteto formado por Bento, Capitu, Escobar e Ezequiel. Mesmo assim, cada vez que se apresenta uma prova, sugerindo o adultério, imediatamente lança-se uma contraprova.Outra sugestão seria a citação, na narrativa, de um velha expressão do povo de que "O filho é a cara do pai". Como contraprova imediata e eficiente, surge a semelhança de Capitu com a mãe de Sancha, parecidíssimas sem qualquer grau de parentesco entre as duas. O próprio pai de Sancha afirma: "Na vida há dessas semelhanças assim esquisitas".Outras duas ocorrências poderiam ser tomadas como provas de adultério: as duas vezes em que Escobar visita Capitu em casa, na ausência de Bentinho. Essas visitas, ao mesmo tempo, não provam nada ou induzem a tudo, principalmente quando Capitu se vê obrigada a contar ao marido sobre a primeira visita do amigo e comenta: "Pouco antes de você chegar; eu não disse para que você não desconfiasse". Desconfiasse do quê? Certamente Capitu já conhecia o ciúme do marido e não queria provocá-lo. Na Segunda, então, Bento, ao voltar da estréia de uma ópera, encontra Escobar no corredor, de saída. Como desculpa, o amigo lhe apresenta um motivo jurídico importante que para Bento não era nada. Isso faz com que ele questione o porquê de Capitu não querer acompanhá-lo ao teatro, alegando estar adoecida e insistindo para que fosse sozinho. Quando chega em casa e se depara com Escobar, constata também que a esposa já "estava melhor e até boa".Assim nada é esclarecido sobre o possível adultério, e o próprio Bentinho afirma: "Não é claro isto, mas nem tudo é claro na vida ou nos livros". Ele ainda atenta para que o leitor considere a sua "fraca memória"; confessa não ter boa memória e por esse motivo diz que "nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos". Ou seja, uma narrativa que apresenta falhas, lacunas a serem preenchidas pelo leitor.
Cabe, então, ao leitor esclarecer tal questão do adultério. O leitor, analisando todas as provas e contraprovas apresentadas, poderá opinar em favor do adultério ou contra ele, ou ainda permanecer na infinita dúvida.

Organização: Professor Francisco Muriel.

análise: O Crime do Padre Amaro(1875) - Eça de Queirós (Vestibular UEL 2007)

O Crime do Padre Amaro

1. A vida de José Maria d’Eça de Queirós (1845-1900)

Nascido em Póvoa do Varzim, Eça de Queirós ingressou em 1861 na Universidade de Coimbra. Envolvendo-se com Antero de Quental e seu grupo, participa ativamente da implantação do realismo em Portugal. Formado, advoga e escreve para jornais. Em 1869 assiste à inauguração do Canal de Suez. Em 1872 ingressa no corpo diplomático, passando a trabalhar, como cônsul, fora de Portugal. Primeiro vai servir em Havana, Cuba, depois na Ing;aterra e, finalmente, em Paris, onde morre em 1900. Morreu aos 55 anos, deixando uma das mais importantes obras de toda a literatura luso-brasileira.

2. Primeira Fase: Aprendizado (1865 - 1871)

As primeiras obras de Eça de Queirós impressas foram textos em prosa poética intitulados Notas Marginais, publicados na Gazeta de Portugal em 1866 (depois publicadas como Prosas Bárbaras, em 1905). Influenciado por Victor Hugo, Michelet e Baudelaire, o estreante, carregando nas imagens, metáforas e comparações, envereda por temas históricos e já revela um certo anticlericalismo. Em parceria com Ramalho Ortigão (1836-1915), Eça publica, em folhetins no Diário de Notícias, durante o ano de 1870, o seu primeiro romance, O Mistério da Estrada de Sintra, escrito através de cartas enviadas ao jornal e que relatam um seqüestro na estrada de Sintra. Com a cumplicidade do jornal, os autores conseguiram enganar muitos leitores, que supunham as cartas e a história verdadeiras.

3. Segunda Fase: Realismo-Naturalismo (1871 - 1888)

Segundo Eça: “Outrora uma novela romântica, em lugar de estudar o homem, inventava-o. Hoje o romance estuda-o na sua realidade social. (...) Toda a diferença entre o idealismo e o naturalismo está nisto. O primeiro falsifica, o segundo verifica.” Foi seguindo estas premissas que escreveu as obras-primas do período naturalista, que já se anunciava nas Farpas (1871), e na conferência A Nova Literatura, apresentada no ciclo do Casino Lisbonense, no mesmo ano.

O Crime do Padre Amaro

Introdução
Primeiro romance realista da língua portuguesa, O Crime do Padre Amaro revelou o maior romancista português e chocou a sociedade da época com sua denúncia da hipocrisia social e religiosa
O Enredo
Romance anticlerical dos mais ferozes, é ambientado em Leiria, onde o Padre Amaro Vieira, ingênuo e psicologicamente um fraco, vai assumir sua paróquia. Hospedando-se na casa da Senhora Joaneira, acaba por se envolver sexualmente com sua filha, Amélia. Amaro conhece, então, o cinismo dos seus colegas, que em nada estranham sua relação com a jovem. Grávida, Amélia acaba por morrer no parto e Amaro entrega a criança a uma "tecedeira de anjos". Morta também a criança, Amaro, agora um cínico descarado, prossegue com a sua carreira. O romance, que critica violentamente a vida provinciana e o comportamento do clero, foi, durante décadas, leitura proibida em muitas escolas de Portugal e do Brasil.

As Personagens

A intenção de Eça ao escrever o Crime do Padre Amaro não era apenas a denúncia dos vícios do clero devasso, mas também apresentar a vida mesquinha da cidade provinciana portuguesa. Assim, só Amaro e Amélia, as personagens centrais, são criticadas pelo narrador. Também as personagens secundárias são utilizada para revelar as mazelas da sociedade em que estão inseridas.

O Padre Amaro Vieira
O protagonista do romance era filho de dois criados do marquês de Alegros. Perde os pais ainda criança e é educado no meio da criadagem da marquesa, o que faz com se torne "enredador. Muito mentiroso." A marquesa decide que se ele tornaria padre, e assim, aos quinze anos, é mandado ao seminário.
É um fraco tanto física quanto psicologicamente. Aceita o sacerdócio passivamente. Por influência do conde de Ribamar, obtém a paróquia de Leiria, onde se hospeda na casa da S. Joaneira. Lá conhece Amélia, filha de sua hospedeira, e ela torna-se sua amante. O ambiente da casa da marquesa, onde fora criado, e o seminário moldaram o caráter de Amaro. Já sacerdote em Leiria, espanta-se, no início, com o cinismo explícito dos seus colegas de batina, mas todas essas situações, somadas ao ambiente de servilismo beato da casa onde está hospedado, fazem com que ele se atole em ações desonrosas, como entregar seu filho a uma "tecedeira de anjos" e a criança acaba por morrer. No final do romance, ele tornou-se idêntico aos seus pares. Uma conversa entre Amaro e o cônego Dias, mostra, de forma clara, como Amaro e os outros eclesiásticos representam o clero sem vocação e hipócrita. Os dois estão refletindo sobre os excessos da Comuna, afirmam que seus seguidores merecem a masmorra e a forca porque não respeitam o clero e "destroem no povo a veneração pelo sacerdócio", caluniando a Igreja. Então, uma mulher provocante passa diante deles e ambos trocam olhares cúmplices. O cônego exclama: "- Hem, seu Padre Amaro?... Aquilo é que você queria confessar" E Amaro responde: " - Já lá vai o tempo, padre-mestre - disse o pároco rindo - já as não confesso senão casadas!"

Amélia Caminha

A co-protagonista do romance concentra, em sua figura, o resultado trágico de uma formação num meio provinciano e atrasado, centrado em torno do poder eclesiástico. A sua casa é um beatério, centro de convivência dos poderosos e amorais sacerdotes da cidade, em que impera a superficialidade dos rituais e uma deformação dos conceitos religiosos cristãos. Nesta sociedade, a Igreja é parte ativa do poder político, que a utiliza nas suas manobras eleitoreiras e lhe dá privilégios sociais, prestígio e poder.
Amélia vive, portanto, rodeada de cônegos e padres. Aos 23 anos, alta, forte e "muito desejada", possui um temperamento sentimental, romântico e fortemente sensual. Órfã de pai, sua mãe é amante do cônego Dias e ela é uma devota simplória e passiva, atraída pelo ritual católico. Namora João Eduardo, escrevente de cartório. Conhece, então, o Padre Amaro, pároco da Sé de Leiria, hóspede na casa de sua mãe. Apaixona-se e entrega-se a ele com total submissão. Fica grávida e esconde-se numa quinta próxima à cidade, acompanhada de uma fanática beata, irmã do cônego Dias. Recebe a visita do abade Ferrão, único sacerdote decente do romance. Ele tenta recuperá-la para uma vida normal e digna e quer tirá-la da influência nefasta de Amaro. No entanto, Amélia morre no parto.

Personagens secundárias

O narrador do romance, na terceira pessoa, apresenta as personagens secundárias com grande dose de ironia e uma certa antipatia. Como bem o colocou Benjami Abdala Jr:
“Fica muito clara a antipatia do narrador pelo círculo de amigos da S. Joaneira (Maria Assunção, Josefa Dias, Joaquina Gansoso e o beato homossexual Libaninho). O mesmo ocorre em relação aos colegas de Amaro (cônego Dias, padre Natário e padre Brito), pois o narrador parece convencido antecipadamente de seus vícios e grosseirias. O único religioso que se exclui desse círculo é o abade Ferrão, apresentado como uma personagem coerente com seus ideais. A ironia do narrador não é restrita aos religiosos, estendendo-se para o contexto social de Leiria.
Várias personagens são apresentadas de forma sarcástica: o jornalista Agostinho Pinheiro; o venal Gouveia Ledesma, o burguês reacionário Carlos. Nesse ambiente, João Eduardo, noivo de Amélia, enciumado com as atenções da moça ao padre Amaro, escreveu um anônimo “Comunicado” na Voz do Distrito, criticando a covivência de padres com amantes. Rompe-se o noivado: Amélia trona-se amante do padre Amaro.”

Análise da Obra

O REALISMO

O Realismo significou a aparição de uma série de temas novos, mas, sobretudo, uma maneira diferente de entender a literatura. O subjetivismo romântico foi substituído pela descrição da realidade externa. O escritor realista desejava retratar a realidade tal como era, sem deixar de lado nenhum aspecto, por mais desagradável que fosse. A base do romance realista é a relação entre o indivíduo e a sociedade. Através dos personagens, abordavam-se conflitos sociais: entre a burguesia e o proletariado, entre a sociedade urbana e a sociedade rural, entre a ideologia conservadora e a liberal e progressista. Os personagens eram estudados em detalhe. Segundo Eça de Queirós:

“Outrora uma novela romântica, em lugar de estudar o homem, inventava-o. Hoje o romance estuda-o na sua realidade social. Outrora no drama, no romance, concebia-se o jogo da paixões a priori; hoje analisa-se a posteriori, por processos tão exatos como os da própria fisiologia. Desde que se descobriu que a lei que rege os corpos brutos é a mesma que rege os seres vivos, que a constituição intrínseca duma pedra obedeceu às mesmas leis que a constituição do espírito de uma donzela, que há no mundo uma fenomenalidade única, que a lei que rege os movimentos dos mundos não difere da lei que rege as paixões humanas, o romance, em lugar de imaginar, tinha simplesmente de observar. A arte tornou-se o estudo dos fenômenos vivos e não a idealização das imaginações inatas. (...) Toda a diferença entre o idealismo e o naturalismo está nisto. O primeiro falsifica, o segundo verifica.”

O Realismo-naturalismo

O Realismo-naturalismo aparece por volta de 1870 como uma derivação do realismo. Recebeu profunda influência de algumas das teorias e doutrinas que estavam no auge naquele momento, sobretudo do materialismo e do determinismo. O Naturalismo considerava a vida do homem resultado de fatores externos (raça, ambiente familiar, classe social, etc.). Influenciado pelas ciências experimentais, o escritor naturalista tentava demonstrar, com rigor científico, que o comportamento humano está sujeito a leis semelhantes às que regem os fenômenos físicos. Se o realismo pretendia ser objetivo e imitar a realidade, o Naturalismo desejava fazer uma análise histórica, social e psicológica da realidade, um estudo profundo a partir de uma ampla documentação prévia.
O Crime do Padre Amaro é a primeira obra naturalista da língua portuguesa. O Realismo-naturalismo é cientificista e determinista, considerando que as ações humanas são produtos de leis naturais: do meio, das características hereditárias e do momento histórico. Portanto, os romances naturalistas, como O Crime da Padre Amaro, procuravam, através da representação literária, demonstrar teses extraídas de teorias científicas. Para isso, o Naturalismo buscou compor um registro implacável da realidade, incluindo seus aspectos repugnantes e grotescos.

A introdução do Realismo em Portugal

As idéias realistas foram introduzidas em Portugal por um grupo de jovens estudantes de Coimbra, liderados pelo poeta Antero de Quental (1842-1891). Em 1865, batendo-se pelas novas idéias realistas, Antero, Teófilo Braga (1843-1824) e seu grupo se envolvem numa polêmica com o escritor e tradutor romântico Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875), conhecida como Questão Coimbrã. Formam, então, uma fraternidade acadêmica, O Cenáculo, e, em 1871, organizam as Conferências Democráticas, no Casino Lisbonense. Encerradas pelo governo, que as temia subversivas, as conferências serviram para o grupo expôr suas idéias, influenciadas por Taine e Proudhon, sobre a necessidade de a arte retratar e revolucionar a sociedade burguesa. Entre os seguidores de Antero estava, desde a faculdade, o jovem Eça de Queirós, que iria introduzir o Realismo na prosa portuguesa com O Crime do Padre Amaro.

AS “CENAS DA VIDA PORTUGUESA”
Eça de Queirós tinha a intenção, nos romances da sua fase naturalista, de pintar um quadro crítico da vida portuguesa. Em famosa carta a Teófilo Braga, na qual o romancista explica suas intenções ao escrever o romance O Primo Basílio, deixa claro que pretende compor um cenário de todas as mazelas da sociedade portuguesa de seu tempo:

“A minha ambição seria pintar a sociedade portuguesa tal qual a fez o Constitucionalismo desde 1830 e mostrar-lhe, como num espelho que triste país eles formam - eles e elas. É o meu fim nas “Cenas da Vida Portuguesa”. É necessário acutilar o mundo oficial, o mundo sentimental, o mundo literário, o mundo agrícola, o mundo supersticioso - e, com todo respeito pelas instituições de origem eterna, destruir as falsas interpretações e falsas realizações que lhe dá uma sociedade podre. Não lhe parece você que um tal trabalho é justo?”

Assim, Eça aborda, em O Crime do Padre Amaro, o clero devasso e a pequena burguesia da província; em O Primo Basílio, a burguesia lisboeta e a instituição do casamento; em Os Maias, a aristrocacia decadente e a alta sociedade preconceituosa; em A Capital, o jornalismo, a política e a literatura.

DA PUBLICAÇÃO

A primeira versão do romance foi publicada entre 15 de fevereiro e 15 de maio de 1875, na Revista Ocidental, quinzenário fundado por Oliveira Martins. Antero de Quental era diretor literário e Jaime Batalha Reis, secretário da revista. Antes de viajar para Newcastle, Eça deixara o original do romance com eles, mas queria revisá-lo à medida que as provas impressas fossem chegando. O problema é que as emendas e os acréscimos eram extensos e em grande quantidade e a distância entre Portugal e Inglaterra, enorme, o que prejudicava a periodicidade da revista e atrapalhava os prazos para a publicação. Além disso, algumas passagens consideradas muito realistas foram cortadas à revelia do autor, possivelmente por Antero de Quental, que não aceitava os aspectos crus do realismo literário. Eça de Queirós ficou furioso e solicitou aos editores repetidas vezes, por carta e telegrama, que fossem mandadas a ele as provas de página e se suspendesse a publicação, já que ele não autorizava a publicação do resto do romance sem antes rever as provas: "As emendas que fiz são consideráveis e complicadas: e se um trabalho - onde o estilo já de si é afetado e amaneirado, todo cheio de pequenas intenções e tão dependente da pontuação - ajuntamos os erros tipográficos - temos um fiasco deplorável". E em outra carta a Batalha Reis mostra o quanto estava irado: "... estou verdadeiramente indignado. Pois quê? Eu dou-vos um borrão do romance - e vocês em lugar de publicar o romance publicam o borrão!"
Embora contrariado, Eça não consegue impedir "a publicação do borrão" e decide: "calar, emendar, refazer tranqüilamente o romance, e publicá-lo num volume - que se pertença e responda por si." Ele pede a Batalha Reis que lhe remeta os capítulos suprimidos na revista e no mesmo mês que a revista termina a publicação do romance, Eça finaliza O Crime do Padre Amaro para publicação em livro. A primeira edição, de 1876, é financiada por seu pai, dr. José Maria de Almeida Teixeira de Queirós e sua tiragem foi de apenas 800 exemplares.

A ACUSAÇÃO DE PLÁGIO

Muitos críticos, ao abordarem O Crime do Padre Amaro, quando de sua publicação, acusaram Eça de Queirós de ter plagiado o grande mestre da corrente naturalista, o romancista francês Émile Zola. Entre esses, está Machado de Assis, que, em crítica a O Primo Basílio, publicada na revista O Cruzeiro, em 16 de abril de 1878, assim se refere ao primeiro livro de Eça:

"O Crime do Padre Amaro revelou desde logo as tendências literárias do Sr. Eça de Queirós e a escola a que abertamente se filiava. O Sr. Eça de Queirós é um fiel e aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor do Assommoir. Se fora simples copista, o dever da crítica era deixá-lo, sem defesa, nas mãos do entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo; mas é homem de talento, transpôs ainda há pouco as portas da oficina literária; e eu, que lhe não nego a minha admiração, tomo a peito dizer-lhe francamente o que penso, já da obra em si, já das doutrinas e práticas, cujo iniciador é, na pátria de Alexandre Herculano e no idioma de Gonçalves Dias.
Que o sr. Eça de Queirós é discípulo do autor do Assommoir, ninguém há que o não conheça. O próprio Crime do Padre Amaro é imitação do romance de Zola, La Faute de l'Abbé Mouret. Situação análoga, iguais tendências; diferença do meio; diferença do desenlace; idêntico estilo; algumas reminiscências, como no capítulo da missa, e outras; enfim, o mesmo título. Quem os leu a ambos, não contestou decerto a originalidade do Sr. Eça de Queirós, porque ele a tinha, e tem, e a manifesta de modo afirmativo; creio até que essa mesma originalidade deu motivo ao maior defeito na concepção do Crime do Padre Amaro. O Sr. Eça dc Queirós alterou naturalmente as circunstâncias que rodeavam o padre Mouret, administrador espiritual de uma paróquia rústica, flanqueado de um padre austero e ríspido; o padre Amaro vive numa cidade de província, no meio de mulheres, ao lado de outros que do sacerdócio só têm a batina e as propinas; vê-os concupiscentes e maritalmente estabelecidos, sem perderem um só átomo de influência e consideração. Sendo assim, não se compreende o terror do padre Amaro, no dia em que do seu erro lhe nasce um filho, e muito menos se compreende que o mate. Das duas forças que lutam na alma do padre Amaro, uma é real e efetiva - o sentimento da paternidade; a outra é quimérica e impossível - o terror da opinião, que ele tem visto tolerante e cúmplice no desvio dos seus confrades; e não obstante, é esta a força que triunfa. Haverá aí alguma verdade moral?
Ora bem, compreende-se a ruidosa aceitação do Crime do Padre Amaro. Era realismo implacável, conseqüente, lógico, levado à puerilidade e à obscuridade. Víamos aparecer na nossa língua um realista sem rebuço, sem atenuações, sem melindres, resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, unia tradição acabada. Não se conhecia no nosso idioma aquela reprodução fotográfica e servil das coisas mínimas e ignóbeis. Pela primeira vez, aparecia um livro em que o escuso e o - digamos o próprio termo, pois tratamos de repelir a doutrina, não o talento, e menos o homem, - em que o escuso e o torpe eram tratados com um carinho minucioso e relacionados com uma exação de inventário. A gente de gosto leu com prazer alguns quadros, excelentemente acabados, em que o Sr. Eça de Queirós esquecia por minutos as preocupações da escola; e, ainda nos quadros que lhe destoavam, achou mais de um rasgo feliz, mais de uma expressão verdadeira a maioria, porém, atirou-se ao inventário. Pois que havia de fazer a maioria, senão admirar a fidelidade de um autor, que não esquece nada, e não oculta nada? Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha. Quanto à ação em si, e os episódios que a esmaltam, foram um dos atrativos do Crime do Padre Amaro, e o maior deles; tinham o mérito do pomo defeso. E tudo isso, saindo das mãos de um homem de talento, produziu o sucesso da obra."

É importante notar que Machado não critica apenas as semelhanças entre o livro de Zola e o de Eça. A sua grande restrição ao livro português se dá quanto ao seu estilo. Nessa crítica, Machado há de se colocar frontalmente contra o estilo Naturalista, antecipando o Realismo Psicológico, que haveria de inaugurar no Brasil com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881.
Eça de Queirós, no entanto, responde a seus críticos, como Machado, ao escrever a nota introdutória à segunda edição do livro, em 1880:
"O Crime do Padre Amaro recebeu no Brasil e em Portugal alguma atenção da critica, quando foi publicado ulteriormente um romance intitulado O Primo Basílio. E no Brasil e em Portugal escreveu-se (sem todavia se aduzir nenhuma prova efectiva) que O Crime do Padre Amaro era uma imitação do romance do sr. E. Zola - La Faute de l'Abbé Mouret; ou que este livro do autor do Assomoir e de outros magistrais estudos sociais sugerira a ideia, as personagens, a intenção de O Crime do Padre Amaro. Eu tenho algumas razões para crer que isto não é correcto.
O Crime do Padre Amaro foi escrito em 1871, lido a alguns amigos em 1872, e publicado em 1874. O livro do sr. Zola, La Faute de l'Abbé Mouret (que é o quinto volume da série Rougon Macquart), foi escrito e publicado em 1875. Mas (ainda que isto pareça sobrenatural) eu considero esta razão apenas como subalterna e insuficiente. Eu podia, enfim, ter penetrado no cérebro, no pensamento do sr. Zola, e ter avistado, entre as formas ainda indecisas das suas criações futuras, a figura do abade Mouret…
O que, segundo penso, mostra melhor que a acusação carece de exactidão, é a simples comparação dos dois romances…
Os criticos inteligentes que acusaram o Crime do Padre Amaro de ser apenas uma imitação da Faute de l'Abbé Mouret não tinham infelizmente lido o romance maravilhoso do sr. Zola, que foi talvez a origem de toda a sua glória. A semelhança casual dos dois titulos induziu-os em erro. Com conhecimento dos dois livros, só uma obtusidade córnea ou uma má fé cinica poderia assemelhar esta bela alegoria idilica, a que está misturado o patético drama de uma alma mistica, ao Crime do Padre Amaro, que, como podem ver neste novo trabalho, é apenas, no fundo, uma intriga de clérigos e de beatas tramada e murmurada à sombra de uma velha Sé de província portuguesa.

Organização: Professor Francisco Muriel.

Análise: O Sertanejo(1875) - José de Alencar (Vestibular Uel 2007)

O Sertanejo – José de Alencar
CRONOLOGIA DO AUTOR:
1° de maio de 1829: nasce José Martiniano de Alencar Júnior, filho de José Martiniano de Alencar (deputado pela província do Ceará e padre, na época) e Ana Josefina de Alencar (prima legítima do deputado e padre), no Sítio Alagadisso Novo (localizado na Friguizia di Mecejana, Ceará);
1830: Embarca com a família para o Rio de Janeiro, onde o pai assumiria o cargo de senador. Retorna a Fortaleza em 1834, época em que José Martiniano (pai) fora eleito governador do Ceará. Aos dez anos, muda-se, definitivamente, para o Rio (o pai é, outra vez, senador; Alencar começa os estudos no Colégio de Instrução Elementar);
1844: Vai a São Paulo, preparar-se para os exames na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (inicia o curso em 1846). Forma-se advogado em 1850, exercendo a profissão, no Rio de Janeiro, a partir do ano seguinte;
1854: Estréia como jornalista, assinando a seção ``Ao correr da pena'' (crônicas), no Correio Mercantil. Permanece até 1855, seguindo carreira jornalística e iniciando-se na literária no Diário do Rio de Janeiro;
1856: Sai, em folhetins, o romance Cinco Minutos, obra inaugural do escritor. Até a segunda metade da década de 1870, José de Alencar fomenta uma obra que perpassa os universos indianista, urbano, histórico e regionalista;
1857: Inicia a produção teatral com a peça Verso e Reverso. Até 1861, consolida-se no teatro nacional;
1860: Morre o pai do escritor.
1861: É eleito deputado geral pelo Ceará (reelege-se outras três vezes: 1869-72, 1872-75, 1876-77). Em 1868, chegou a Ministro da Justiça. Só não conseguiu assumir o cargo de senador, para o qual foi eleito em 1869, porque teve o nome vetado pelo imperador Pedro II;
1864: Casa-se com Georgiana Augusta Cochrane de Alencar, filha de um médico inglês. Com ela, teve seis filhos: Augusto, Clarisse, Ceci, Elisa, Mário e Adélia.
12 de dezembro de 1877: Morre no Rio de Janeiro, aos 49 anos, sucumbido pela

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS e PRINCIPAIS OBRAS

José de Alencar é considerado o maior romancista do Romantismo brasileiro, bem como um dos maiores de nossa literatura. Abrangeu em sua obra todo um perfil da cultura brasileira, na busca de uma identidade nacional que transcorresse o seus aspectos sociais, geográficos e temáticos, numa linguagem mais brasileira, tropical, sem o estilo português, que até então rodeava os livros de outros romancistas. Conseguiu escrever de forma primorosa sobre os mais importantes temas que estavam em voga na literatura da época, descrevendo desde a sociedade burguesa do Rio até o índio ou o sertanejo das regiões mais afastadas. Toda a sua extensa gama de romances pode ser dividida em quatro temas distintos: romance urbano, romance indianista, romance regionalista e romance histórico.
O romance urbano de Alencar segue muitas vezes o padrão do típico romance de folhetim, retratando a alta sociedade carioca com todas as suas belas fantasias de amor. O romancista, no entanto, vai além: por trás de toda a pompa e final feliz onde todos os segredos e suspenses que se desenvolvem nas complicadas tramas são desvendados, está a crítica, a denúncia da hipocrisia, da ambição e desigualdade social. Alencar se especializou também na análise psicológica de suas personagens femininas, revelando seus conflitos interiores. Essa análise de caráter mais psicológico do interior das personagens remete sua obra a características peculiares dos romances realistas, sobretudo de Machado de Assis. Estes são seus romances urbanos: Cinco Minutos, A Viuvinha, Lucíola, Diva, A Pata da Gazela, Sonhos d'Ouro, Senhora [ver Antologia] e Encarnação.
As obras indianistas revelam sua paixão romântica pelo exotismo, encarnado na figura do índio, com todos os seus costumes, crenças e relações sociais. Sua descrição sempre se opõe à imagem do homem branco, "estragado" e corrompido pelo mundo civilizado. O índio de José de Alencar ganha tons lendários e míticos, com ares de "bom selvagem". Sua descrição muitas vezes funde seus sentimentos com a beleza e a harmonia exótica da natureza. Caracterizando a bondade, nobreza, valentia e pureza do selvagem, Alencar às vezes o aproxima dos cavaleiros e donzelas medievais, revelando um pouco dos traços românticos europeus que assolavam nossa cultura. Seus romances indianistas são: O Guarani [ver Antologia], Iracema [ver Antologia] e Ubirajara.
Seus romances regionalistas denotam o interesse e o exotismo pelas regiões mais afastadas do Brasil, aliando os hábitos sociais da vida do homem do campo à beleza natural das terras brasileiras. Se nos romances urbanos as mulheres são sempre enfatizadas, nas obras de cunho regional os homens são figuras de destaque, com toda a sua ignorância e rudeza, enfrentando os desafios da vida, sendo que as mulheres assumem papéis submissos, de segundo plano. Seus romances regionalistas são: O Gaúcho [ver Antologia], O Tronco do Ipê, Til e O Sertanejo.
Com seus romances históricos – As Minas de Prata e A Guerra dos Mascates – Alencar também buscou na passado histórico brasileiro inspiração para escrever seus romances, criando quase sempre uma nova interpretação literária a fatos marcantes da colonização, como o busca por ouro no interior do Brasil e as lutas pelo aumento das terras nas fronteiras brasileiras. Seus enredos denotam em vários momentos um nacionalismo exaltado e o orgulho pela construção da pátria.
Análise tradicional do Sertanejo.

As análises tradicionais das narrativas, principalmente os Romances Românticos do século XIX, consistem geralmente em, a priori, a investigar a vida do autor e os acontecimentos, de níveis locais e universais, de seu tempo. Em posteriori, focar-se no interior (conteúdo) da obra e dela extrair os seguintes elementos com o máximo de minúcias possíveis. São eles: Narrador, tempo, espaço, personagens e o enredo.
O Narrador: a história é narrada em terceira pessoa, por um narrador uniciente (que de tudo sabe) e observador (que não participa da história). Podemos dizer que nesta obra o narrador confunde-se com o próprio autor, pois ambos nasceram no sertão, o Estado é o mesmo. Esse narrador anseia por voltar a ver o sertão de minha terra nata. Isso nos dá indício de que ele o narrador está longe recordando o acontecido. Quando te tornarei a ver, sertão da mina terra, que atravessei há muitos anos na aurora serena e feliz infância?. Ele se mostra um grande conhecedor dos costumes e da geografia local. Assim o primeiro capítulo do “O Sertanejo” mostra os costumes e atividades do homem do sertão assim como sua forte ligação com a terra e a natureza.
O Tempo: O narrador data a chegada do comboio na fazenda como dez de dezembro de 1764. Vale lembrar que a corrida do ouro no Brasil data de 1705, a chegado do café, 1770, a inconfidência,1790, e a guerra de independência dos Estados Unidos, 1775.
O Espaço: O sertão de Quexeramobim na Serra de Santa Maria, Ceará.
Esta imensa campina... aí campeia o destemido vaqueiro cearence.
*Curiosidade: Chico Buraque de Iolanda, em sua música “Até o Fim”, menciona a cidade citada no livro. Porém, não se sabe se por influência da obra ou se por mera coincidência: confira um terchio da música:
(...) Eu bem que tenho ensaiado um progresso, Virei cantor de festim, Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso, Em Quixeramobim, Não sei como o maracatu começou, Mas vou até o fim.
Personagens: capitão-mor Gonçalo Pires Campelo, sua esposa Genoveva, D. flor, Arnaldo, a criada Justa, o velho Jó, Aleixo Vargas (o Moirão), Marcos Fragoso e Leandro Barbilho.
O Enredo: com belas e radiantes cores a paisagem do sertão um destemido vaqueiro, a serviço capitão-mor, Arnaldo que enfrenta os mais sérios riscos na esperança de constar a simpatia da filha do fazendeiro. Arnaldo tem destaque nas cavalhadas a maneira medieval. Marcos Fragoso se faz seu único rival. Afinal Dona Flor é prometida a Leandro Barbilho. No instante casamento, surge os inimigos de Campelo. Encerra o tiroteio, morre Leandro Barbilho, Dona Flor lamente enquanto Arnaldo tenta consolá-la. O trecho selecionado permitirá a análise do relacionamento existente entre Arnaldo e D. Flôr. Possibilitando-nos a comparação com o trecho de Inocência. "Já tinham soado no sino da capela as últimas badaladas do toque de recolher. Por toda a fazenda da Oiticica , sujeita a um certo regime militar, apagavam-se os fogos e cessava o burburinho da labutação quotidiana. Só nas noites de festa dispensava o capitão-mor essa rigorosa disciplina, e dava licença oara is sanbasm que então por desforra atravessavam de sol a sol. Era uma noite de escuro; mas como o são as noites do sertão, recamadas de estrelas rutilantes, cujas centelhas se cruzam e urdem como a finíssima teia de uma lhama acetinada. A casa principal acabava de fechar-se e das portas e janelas apenas escapavam-se pelos interstícios uma réstias de luz, que iam a pouco extinguindo-se . Nesse momento um vulto oscilou na sombra, e coseu-se à parece que olhava para o nascente. Era Arnaldo. Resvalando ao longo do outão, chegara à janela do camarim de D. Flôr, e uma força irresistível o deteve ali. No gradil das rótulas recendia um breve perfume, como se por ali tivesse coado a brisa carregada das exalações da baunilha. Arnaldo adivinhou que a donzela antes de recolher-se, viera respirar a frescura da noite e encostara a gentil cabeça na gelosia , onde ficara a fraguância de seus cabelos e de sua cútis acetinada. Então o sertanejo, que não se animaria nunca a tocar esses cabelos e essa cútis, beijou as grades para colher aquela emanação de D. Flôr, e não trocaria decerto a delícia daquela adoração pelas voluptuosas carícias da mulher mais formosa. Aplicando o ouvido percebeu o sertanejo no interior do aposento um frolico de roupas, acompanhado pelo rumor de um passo breve e sutil. D. Flôr volvia pelo aposento. Naturalmente ocupada nos vários aprestos do repouso da noite. Um doce sussuro,como da abelha ao seio do rosal, advertiu a Arnaldo que a donzela rezava antes de deitar-se e involuntariamente também ajoelhou-se para rogar a Deus por ela. Mas acabvou suplicando a flôr perdão para a sua ternura. Terminada a prece a donzela aproximou-se do leito. O amarrotar das cambraias a atulharem-se indicou ao sertanejo que Flor despia as suas vestes e ia trocá-las pela roupa de dormir. Atraves das abas da janela, que lhe escondiam o aposento, enxergou com os olhos d'álma a donzela, naquele instante em que os castos véus a abandonavam; porém seu puro o céu azul ao deslize de uma nuvem branca de jaspe surgisse uma estrela. A trepidação da luz cega; e tece um véu cintilante, porém mais espesso do que a seda e o linho. Cessaram de todo os rumores do aposento, sinal de que D.Flôr se havia deitado/ Ouvindo um respiro brando e sutil como de um passarinho, conheceu Arnaldo que a donzela dormia o sono plácido e feliz. Só então afastou-se para acudir ao emprazamento que recebera"
Recomenda-se uma análise a luz da teoria dos actantes (Modelo Actancial de Greimas)


Organização: Professor Francisco Muriel

Análise: Os Lusíadas(1572) - Camões(Vestibular UEL 2007)

Os Lusíadas (1572)

NARRAÇÃO

A narração consiste, portanto, na maior parte do poema. Inicia-se "In Media Res", ou seja, em plena ação. Vasco da Gama e sua frota se dirigem para o Cabo da Boa Esperança, com o intuito de alcançarem a Índia pelo mar. Auxiliados pelos deuses Vênus e Marte e perseguidos por Baco e Netuno, os heróis lusitanos passam por diversas aventuras, sempre comprovando seu valor e fazendo prevalecer sua fé cristã. Ao pararem em Melinde, ao atingirem Calicute, ou mesmo durante a viagem, os portugueses vão contando a história dos feitos heróicos de seu povo.
Completada a viagem, são recompensados por Vênus com um momento de descanso e prazer na Ilha dos Amores, verdadeiro paraíso natural que em muito lembra a imagem que então se fazia do recém descoberto Brasil.


ESTRUTURA NARRATIVA

O poema se estrutura através de uma narrativa principal, que apresenta a
viagem da armada de Vasco da Gama. A esse fio narrativo condutor é incorporada inicialmente a narração feita por Vasco da Gama ao rei de Melinde, em que conta a história de Portugal até a sua própria viagem. Na voz do Gama, ouvem-se os feitos dos heróis portugueses anteriores a ele, como Dom Nuno Álvares Pereira, o caso de amor trágico de Inês de Castro, o relato de sua própria partida, com o irado e premonitório discurso do Velho do Restelo e o episódio do Gigante Adamastor, representação mítica do Cabo da Boa Esperança.
Em seguida são acrescentadas as narrativas feitas aos seus companheiros
pelo marinheiro Veloso, que relata o episódio dos Doze da Inglaterra. Por fim,
já na Índia, Paulo da Gama, irmão de Vasco, conta ainda outros feitos heróicos
portugueses ao Catual de Calicute.
A estrutura narrativa do poema é composta, portanto, por três narrativas
remetendo à história de Portugal, interligadas pela narração da viagem de Vasco
da Gama.
CANTO I

Proposição, invocação, início da narração (rápida referência ao fato de que os portugueses já navegavam no Oceano Índico); Consílio dos Deuses no Olimpo; em Moçambique, Quiloa e Mombaça, ciladas de Baco contra os navegadores e intervenções de Vênus e das Nereidas a favor dos portugueses; reflexões morais do poeta.

CANTO II

Em Mombaça, narram-se as maquinações e as intervenções de Vênus e das Nereidas; Vênus sobe ao Olimpo e queixa-se a Júpiter, que profetiza os feitos lusos; chegada a Melinde, onde os portugueses são bem recebidos.

CANTO III

Vasco da Gama invoca a inspiração de Calíope e inicia a narração da história de Portugal, destacando os primeiros heróis (Luso e Viriato), a fundação do País e os reis de Portugal, as batalhas de Ourique e salado e o episódio lírico-amoroso de Inês de Castro.

CANTO IV

Vasco da Gama prossegue a narração da história de Portugal: a batalha de Aljubarrota (centralização monárquica – início da Dinastia de Avis). As primeiras conquistas, a Tomada de Ceuta, o sonho profético de D. Manuel, que confia a Vasco da Gama o descobrimento do caminho marítimo para as Índias. A partir desse ponto, Vasco da Gama passa a narrar a própria viagem, a partida das naus e a advertência do Velho do Restelo (censura às navegações, representando a sobrevivência da ideologia medieval, feudal e conservadora).

CANTO V

Vasco da Gama conclui a narrativa da sua viagem. Fala do Cruzeiro do Sul, do fogo-de-santelmo, da tromba marítima, do episódio cômico do Veloso e do Gigante Adamastor(monstro de pedra que personifica o Cabo das Tormentas, simbolizando a superação do medo do “Mar Tenebroso”). De novo em Melinde, Vasco da Gama exalta a tenacidade portuguesa. Aqui se encerra o primeiro ciclo épico. Camões recrimina os portugueses pelo seu desapego à poesia.

CANTO VI

Camões retoma a narração da viagem de Melinde para as Índias. Os deuses reúnem-se no Palácio das Nereidas para o Consílio dos Deuses Marinhos. A bordo das naus, os portugueses se entretêm com a narrativa cavaleiresca do episódio dos Doze da Inglaterra (inspirada em torneios da cavalaria medieval). Meditações do poeta sobre o verdadeiro valor da glória.

CANTO VII

Os portugueses chegam a Calicute, na Índia. Camões descreve o Oriente exótico.

CANTO VIII

Paulo da Gama, atendendo a um pedido do catual (autoridade regional da Índia), explica o significado das bandeiras de Portugal e refere-se aos heróis portugueses e aos seus feitos. Camões narra os perigos enfrentados no oriente. Vasco da Gama é feito prisioneiro e é resgatado em troca de mercadorias européias. Camões tece considerações sobre a onipotência do ouro.

CANTO IX

Os portugueses iniciam a viagem de regresso. Vênus e as Ninfas preparam a “Ilha dos Amores”, prêmio e repouso para os navegadores. É a fusão dos planos histórico e mitológico.

CANTO X

Na “Ilha dos Amores”, Tétis e as Ninfas oferecem um banquete aos navegadores. Tétis mostra a Vasco da gama uma miniatura do Universo (a “Máquina do Mundo”), apontando os lugares onde os portugueses iriam praticar grandes feitos. Camões narra o episódios de São Tomé, em que se fundem o “maravilhoso cristão” (bíblico) e o “maravilhoso pagão” (mitológico) e o plano histórico. Tétis despede-se dos portugueses. Regresso à pátria. Camões lamenta a decadência de Portugal (Epílogo), faz exortação a D. Sebastião e vaticina as futuras glórias.


Através das pesquisas realizadas, concluiu-se que Camões retorna à cultura da Antigüidade Greco-romana ao metrificar perfeitamente os versos de sua epopéia, usando de uma forma constante versos com rima ABABABCC, sendo todos decassílabos heróicos e sáficos, formando estrofes com oito versos. Leva-nos, ainda, a constatar que se trata de uma obra que se deixa influencia pelo molde Clássico a escolha da epopéia, usando como modelos textos a exemplo da Odisséia e da Ilíada, de Homero. Vasco da Gama, o herói da narrativa, constitui, também, uma característica clássica, pois simboliza o poder transformador do homem sobre o mundo. Outro registro de que Camões se apóia a todo instante na tradição grega e latina da Antigüidade é a constante evocação dos deuses dos respectivos povos, registro do paganismo da época.





faz partes paganismo e serviu como base para observarmos o existente naquela sociedade na época, e, apesar disso, foi perceptível a grande valorização do humano, sendo este visto como um ser capaz e virtuoso.
Nas artes, o mesmo ponto de vista é refletido: tanto o homem era esculpido como forte, bem feito de corpo e rosto, como eram retratadas figuras míticas, endeusadas, com as mesmas características humanas. Na literatura, epopéias narravam grandes feitos de homens que tomavam a frente de sua gente, conquistando outras terras e povos. Para os clássicos, a beleza morava na perfeição, sendo perseguida arduamente. Uma escultura ou um texto só tinha valores artísticos se respeitassem certas normas.

Análise dos Cantops (uel)


Canto IV - Vasco da Gama continua narrando ao de Melindre a história dos reis portugueses, começa pelo enterro de D Fernando, que deixara como herdeira uma filha casada com o infante de Castela (Espanha), que depois da morte do pai quis anexar as terras portuguesas às de seu esposo. Porém um irmão bastardo requerio para si o trono de D. Fernando, chamava-se D. João e após longa batalha contra os de Castela - o que foi apoiado por países já em conflitos sobretudo Inglaterra e França - consegui derrotá-los após três batalhas sendo a principal a Segunda, Aljubarrota, a qual os portugueses expulsaram os invasores de suas terra. Esta vitória deu origem da Dinastia de Avis.(EST: 28-44).
28 - ( Começa a batalha )
"Deu sinal a trombeta Castelhana,
Horrendo, fero, ingente e temeroso;
Ouviu-o o monte Artabro, e Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso;
Ouviu-o o Douro e a terra Transtagana;
Correu ao mar o Tejo duvidoso;
Destaca-se nessa Batalha a figura de Nuno Alvares, chamado por Vasco da Gama de Pereira.
30 - ( Proeza de Nuno Álvares Pereira )
"Começa-se a travar a incerta guerra;
De ambas partes se move a primeira ala;
Uns leva a defensão da própria terra,
Outros as esperanças de ganhá-la;
Logo o grande Pereira, em quem se encerra
Todo o valor, primeiro se assinala:
Derriba, e encontra, e a terra enfim semeia
Dos que a tanto desejam, sendo alheia.
Após a expulsão dos inimigos vem as primeiras conquistas territoriais, as terras de Celta, hoje localizada no Estreito de Gilbratar (EST: 48-50)
48 - ( Tomada de Ceuta por Dom João I )
"Não sofre o peito forte, usado à guerra,
Não ter amigo já a quem faça dano;
E assim não tendo a quem vencer na terra,
Vai cometer as ondas do Oceano.
Este é o primeiro Rei que se desterra
Da Pátria, por fazer que o Africano
Conheça, pelas armas, quanto excede
A lei de Cristo à lei de Mafamede.
Vasco da Gama conta a histórias dos Reis D. Afonso V, D. João II e D. Manuel, quem tem um sonho profético de que fosse-se buscar no Oriente um alargamento das terras portuguesas. Esta Empresa é confiada a Vasca Da Gama.
76 - ( Reúne D. manuel e seu conselho )
"Chama o Rei os senhores a conselho,
E propõe-lhe as figuras da visão;
As palavras lhe diz do santo velho,
Que a todos foram grande admiração.
Determinam o náutico aparelho,
Para que com sublime coração
Vá a gente que mandar cortando os mares
A buscar novos climas, novos ares.
São dado os Adeuses em Belém onde um velho faz visões proféticas sobre a viagem e divaga sobre a ambição portuguesa.
94 - ( O velho do Restelo )
"Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito



Canto IX: Este canto inicia-se com o impedimento de dois feitores portugueses, encarregados de vender mercadoria, voltarem às naus portuguesas. O intuito desta manobra é esperar a chegada de uma frota muçulmana vinda de Meca. Porém um dos Indianos (Moçaide) avisa o comandante português que inicia sua partida com nobres vendedores indianos na nau o que futuramente será negociado com os dois tripulantes em terra.
12 - ( Troca dos reféns )
Manda logo os feitores Lusitanos
Com toda sua fazenda livremente
Apesar dos inimigos Maumetanos,
Por que lhe torne a sua presa gente.
Desculpas manda o Rei de seus enganos;
Recebe o Capitão de melhor mente
Os presos que as desculpas, e tornando
Alguns negros, se parte as velas dando.
Após as trocas de reféns as naus partem em regresso à Pátria carregado de novas especiarias.
17 - ( Alegria dos nautas por voltarem à pátria )
O prazer de chegar à pátria cara,
A seus penates caros e parentes,
Para contar a peregrina e rara
Navegação, os vários céus e gentes;
Vir a lograr o prêmio, que ganhara
Por tão longos trabalhos e acidentes,
Cada um tem por gosto tão perfeito,
Que o coração para ele é vaso estreito
Vênus, deusa protetora dos portugueses resolve preparar um prêmio e repouso aos nautas, e compete à seu filho, Cupido, a preparação dela. A armada avista a ilha que submerge das águas.
Mas firme a fez e imóvel, como viu
Que era dos Nautas vista e demandada;
Qual ficou Delos, tanto que pariu
Latona Febo e a Deusa à caça usada.
Para lá logo a proa o mar abriu,
Onde a costa fazia uma enseada
Curva e quieta, cuja branca areia,
Pintou de ruivas conchas Citereia.
Camões tece uma descrição da ilha divina, os marinheiros descobre a presença das ninfas na ilha e elas correm, sendo seguidas pelos nautas.Vasco da Gama encontra Tethys que justifica o motivo deste encontro maravilhoso.
Tomando-o pela mão, o leva e guia
Para o cume dum monte alto e divino,
No qual uma rica fábrica se erguia
De cristal toda, e de ouro puro e fino.
A maior parte aqui passam do dia
Em doces jogos e em prazer contino:
Ela nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras entre as flores.
O comandante é direcionado ao palácio de tethys onde desfrutará de repouso ao lado da bela Ninfa. O autor ainda faz uma reflexão sobre o sentido alegórico da ilha e exorta os que suspiram por aqueles que querem imortalizar os seus nomes.
93 - ( As flores )
E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro
Verdadeiro valor não dão à gente:
Melhor é, merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.

Desenvolvimento


. Verificação dos contextos
Europeu

Contexto histórico e Sócio-econômico:

Diferentes interpretações do homem e do mundo foram instalados na Europa neste período, desencadeando novas aspirações e descobertas. Graças ao crescente surgimento da burguesia comercial e das atividades econômicas entre os burgos europeus, as cidades foram lentamente se desenvolvendo. Esse desenvolvimento estimulou a vida urbana e o surgimento de um novo homem. Este, sobretudo, tornou-se motivo central de uma revolução na realidade européia.
As expedições oceânicas, por sua vez, alargaram a visão do homem europeu, pondo-o em contato com povos e culturas diferentes. A concepção de mundo deste homem foi-se ampliando. Não havia mais limites, pois agora ele detinha o poder sobre a terra.
Com esse aumento das rotas mercantis, a configuração do modelo sócio-econômico capitalista dá seus primeiros passos e mudam-se também as relações de trabalho. O comércio desenvolve-se sobretudo através das grandes navegações, contribuindo, então, com as divisas (dinheiro, riqueza) para a burguesia, intensificando o poder e influência desta classe.
A crise religiosa por que passou a Igreja Católica – poderosíssima durante a Idade Média - favoreceu imensamente a nova visão de mundo que o homem adquiriu. Quando Martinho Lutero propôs, na sua Reforma, que as almas podiam ser salvas desde que se arrependessem, o poder da Igreja Católica caiu por terra, visto que esta pregava que era ela quem ‘intermediava’ a comunicação homem – Deus e apenas por sua intervenção o espírito pecador teria como alcançar o paraíso.

Contexto artístico e cultural

Mudanças tão radicais que surgiram na sociedade refletiram-se também na arte. Com a realização das novas rotas comerciais, e o humanismo desperto, não era mais concebível ao homem a idéia de que era apenas um servo de Deus – consciência medieval acerca da natureza humana. O temor e a inferioridade frente ao divino desapareceu. Procurou-se, então, uma forma de expressão artística em que o homem era tido como o personagem principal e os moldes encontrados foram os da Antigüidade Clássica, da Grécia e de Roma. Por fazer nascer de novo os moldes antigos, esse período nomeou-se Renascimento ou, graças ao ênfase dado a essas referências clássicas, Classicismo. Daí imitou-se o tipo de concepção artística, que era, sobretudo, o racionalismo.
O Classicismo confere maior importância às faculdades intelectuais do que às emocionais na criação da obra de arte, porque busca a expressão de valores universais acima dos particularismos individuais ou nacionais. Busca a perfeição das formas, a harmonia das proporções, simplicidade e equilíbrio da composição e a idealização da realidade, recusando, portanto qualquer sentimentalismo ou extravagância de maneira incessante.
A filosofia da Antigüidade foi relida - graças aos arquivos dessa época que as igrejas mantiveram - e reinterpretada, agora à luz da razão. A literatura baseou-se em Homero e Virgílio para criar herói cheios de virtude e coragem. A mitologia da era clássica estava sempre presente, também, em todas as formas de arte.


Português

contexto histórico e sócio-econômico

sob o reinado de D. Manuel, Portugal gozoou de grande realizações como a descoberta do caminho marítimo para as Índias, a conquuista do Brasil, de Goa brasil

Inspirando-se no modelo da Antiguidade clássica greco-romana e no Renascentismo italiano, estabeleceu princípios ou normas, como a harmonia das proporções, a simplicidade e equilíbrio da composição e a idealização da realidade.recusa, portanto,a emotividade e exuberância decorativa do barroco.

Classicismo é a doutrina estética que dá ênfase à ordem, ao equilíbrio e à simplicidade.Os antigos gregos foram os primeiros grandes clássicos.Posteriormente, os romanos, os franceses, os inglesese e outros povos produziram movimentos clássicos.Cada grupo desenvolveu suas próprias características particulares, mas todos refletiam idéias comuns sobre a arte, o homem, o mundo.
O primeiro períedo clássico, no Ocidente, aparece na Grécia antiga e alcança o seu apogeu no séc. V e IV a.C. Os gregos exaltaram a razão o e condenaram o sentimentalismo e o exagero. Tentaram ver toda a realidade por meio de um sistema unificado que lhes desse significado e direção. Os artistas gregos mostraram a beleza numa escala humana mais do que numa escala sobrenatural. As esculturas de Fídias e Praxíteles são magníficos exemplos de figuras humanas bem proporcionadas. Ésquilo, Sófocles e Eurípedes escreveram tragédias que mostram o valor da moderação e o perigo do orgulho excessivo.
Roma
O Classicismo romano desenvolveu-se em dois estágios, a época de Cícero, de 80 a.C. a 27 a.C., e a época de Augusto, de 27 a.C. a 14 d.C. Os romano adotaram os valores Clássicos gregos. Sob a influência de Cícero, homem de Estado e tribuno, as responsabilidades cívicas ganharam um nova importância. A literatura romana atingiu o apogeu se sua realização durante o governo de Augusto, quando quase todos os escritores era clássicos.

Influência da cultura greco-latina (Paganismo): A imitação dos modelos greco-romanos da antiguidade está na base da renovação literária surgida no Renascimento que tomou o nome de Classicismo. Como nas outras artes, também na literatura isso não significa copiar, e sim recriar. Os autores clássicos mais seguidos no Classicismo foram Homero, Virgílio, Ovídio, dentre outros. Também a teoria de Platão (essência x aparência) na concepção do amor foi muito difundida.


ECLETISMO RELIGIOSO

O poema apresenta um ecletismo religioso bastante curioso. Mescla a
mitologia greco-romana a um catolicismo fervoroso. Protegidos pelos deuses, os
portugueses procuram impor aos infiéis mouros sua fé cristã. O português é visto
por Camões como representante de toda a cultura ocidental, batendo-se contra o inimigo oriental, o árabe não-cristão. Todo esse fervor religioso não impede a
utilização pelo poeta do erotismo de cunho pagão, como no episódio da Ilha dos
Amores e seus defensores lusitanos são protegidos, ao longo de todo o poema, por uma deusa pagã, Vênus. É curioso notar que a imagem clássica do deus romano Baco (o Dioniso dos gregos), amigo do vinho e do desregramento, inimigo maior dos portugueses, é a de um ser de chifres e rabo. A mesma que foi utilizada pela igreja católica para representar o demônio.
Análise
No Renascimento, o projeto de recriar os grandes gêneros da literatura greco-latina levou muitos poetas, em diversos países, a tentarem compor obras no que era considerado o gênero máximo: o épico. A epopéia (ou poema épico) é um longo poema narrativo, de estilo elevado e assunto heróico, envolvendo grandes acontecimentos do passado. Se os heróis e as façanhas são históricos ou míticos esta não é uma questão significativa para a épica antiga.
Mas era um ponto importante para Camões, que se orgulhou de estar contando em "Os Lusíadas" (1572) uma história grandiosa realmente ocorrida, verdadeira, e não falsa, inventada, como as dos heróis míticos celebrados tanto pelos gregos e romanos da Antiguidade, quanto pelos poetas de seu tempo. A estes teria faltado um tema da magnitude daquele que a história recente de Portugal oferecia a Camões: a estupenda aventura da conquista do mar e busca de terras distantes e ignoradas, que ampliaram enormemente os limites do mundo então conhecido. Com uma história dessas, com seu gênio artístico e uma extraordinária experiência de vida, Camões escreveu a melhor epopéia do Renascimento.
Nela, três histórias se superpõem e se imbricam: 1) a história da viagem de Vasco da Gama e seus marinheiros à Índia; 2) a história de Portugal, chegando até a época da viagem e antecipando acontecimentos posteriores a ela, e 3) a história dos deuses que, como forças do destino, tramam e destramam a sorte daqueles bravos portugueses que enfrentam perigos e inimigos desconhecidos para ampliar as fronteiras de seu reino e de sua religião.
Numa longa etapa da obra (cantos III-V), Vasco da Gama (herói da história 1) conta ao rei de Melinde (costa oriental da África) a história de Portugal (história 2). Entre os acontecimentos notáveis do passado português, o capitão se detém no relato dos eventos que envolveram Inês de Castro, compondo um dos mais belos episódios do poema (canto III, estrofes 118-135). Trágico conto de amor, é a história daquela "que depois de ser morta foi rainha".
O fato relatado por Camões foi registrado por cronistas da época e pode, em seus dados históricos, ser assim resumido. Dona Inês, da importantíssima família castelhana Castro, veio a Portugal como dama de companhia da princesa Constança, noiva de D. Pedro, herdeiro do rei D. Afonso 4º. O príncipe apaixonou-se loucamente pela moça, de quem teve filhos ainda em vida da princesa, sua esposa. Com a morte desta, em 1435, ter-se-ia casado clandestinamente com Inês, segundo o que ele mesmo declarou tempos depois, quando já se tornara rei. Talvez tal declaração, embora solene, fosse falsa; é fato, porém, que o príncipe rejeitou diversos casamentos, politicamente convenientes, que lhe foram propostos depois que ficou viúvo.
A ligação entre o príncipe e sua amante não foi bem vista pelo rei, que temia fosse seu filho envolvido em manobras pró-Castela da família de Pérez de Castro, pai de Inês. (Aqui é preciso lembrar que o conflito entre Portugal e Castela, ou seja, a Espanha, remonta à fundação de Portugal, que nasceu de um desmembramento do território castelhano e que Castela sempre almejou reintegrar a si.) Em conseqüência, o rei, estimulado por seus conselheiros, decidiu-se pelo assassinato de Inês, que foi degolada quando o príncipe se achava caçando fora de Coimbra, onde vivia o casal. O crime motivou um longo conflito entre o príncipe e o pai. Depois que se tornou rei, D. Pedro ordenou a exumação (desenterramento) do cadáver, para que Inês fosse coroada como rainha.
Camões, que se concentra no conflito entre o amor e os poderes perversos do mundo, não é o único nem foi o primeiro a dar tratamento literário à história de Inês de Castro, mas a sua versão paira sobre todas as outras, anteriores ou posteriores. Vários fatores concorrem para que o episódio seja dos mais admirados de "Os Lusíadas": a pungência da história, devida tanto à piedade que inspiram Inês e seus filhos, quanto ao amor constante, inconformado e revoltado de D. Pedro; a gravidade da questão envolvida, que opõe o interesse pessoal e os interesses coletivos (a "razão de Estado"), e, finalmente e sobretudo, o encanto lírico de que Camões cercou a figura de Inês, a quem atribui longo e eloquente discurso, impondo-a como um dos grandes símbolos femininos da literatura e não só da literatura de língua portuguesa.
No Renascimento, o projeto de recriar os grandes gêneros da literatura greco-latina levou muitos poetas, em diversos países, a tentarem compor obras no que era considerado o gênero máximo: o épico. A epopéia (ou poema épico) é um longo poema narrativo, de estilo elevado e assunto heróico, envolvendo grandes acontecimentos do passado. Se os heróis e as façanhas são históricos ou míticos esta não é uma questão significativa para a épica antiga.
Mas era um ponto importante para Camões, que se orgulhou de estar contando em "Os Lusíadas" (1572) uma história grandiosa realmente ocorrida, verdadeira, e não falsa, inventada, como as dos heróis míticos celebrados tanto pelos gregos e romanos da Antiguidade, quanto pelos poetas de seu tempo. A estes teria faltado um tema da magnitude daquele que a história recente de Portugal oferecia a Camões: a estupenda aventura da conquista do mar e busca de terras distantes e ignoradas, que ampliaram enormemente os limites do mundo então conhecido. Com uma história dessas, com seu gênio artístico e uma extraordinária experiência de vida, Camões escreveu a melhor epopéia do Renascimento.
Nela, três histórias se superpõem e se imbricam: 1) a história da viagem de Vasco da Gama e seus marinheiros à Índia; 2) a história de Portugal, chegando até a época da viagem e antecipando acontecimentos posteriores a ela, e 3) a história dos deuses que, como forças do destino, tramam e destramam a sorte daqueles bravos portugueses que enfrentam perigos e inimigos desconhecidos para ampliar as fronteiras de seu reino e de sua religião.
Numa longa etapa da obra (cantos III-V), Vasco da Gama (herói da história 1) conta ao rei de Melinde (costa oriental da África) a história de Portugal (história 2). Entre os acontecimentos notáveis do passado português, o capitão se detém no relato dos eventos que envolveram Inês de Castro, compondo um dos mais belos episódios do poema (canto III, estrofes 118-135). Trágico conto de amor, é a história daquela "que depois de ser morta foi rainha".
O fato relatado por Camões foi registrado por cronistas da época e pode, em seus dados históricos, ser assim resumido. Dona Inês, da importantíssima família castelhana Castro, veio a Portugal como dama de companhia da princesa Constança, noiva de D. Pedro, herdeiro do rei D. Afonso 4º. O príncipe apaixonou-se loucamente pela moça, de quem teve filhos ainda em vida da princesa, sua esposa. Com a morte desta, em 1435, ter-se-ia casado clandestinamente com Inês, segundo o que ele mesmo declarou tempos depois, quando já se tornara rei. Talvez tal declaração, embora solene, fosse falsa; é fato, porém, que o príncipe rejeitou diversos casamentos, politicamente convenientes, que lhe foram propostos depois que ficou viúvo.
A ligação entre o príncipe e sua amante não foi bem vista pelo rei, que temia fosse seu filho envolvido em manobras pró-Castela da família de Pérez de Castro, pai de Inês. (Aqui é preciso lembrar que o conflito entre Portugal e Castela, ou seja, a Espanha, remonta à fundação de Portugal, que nasceu de um desmembramento do território castelhano e que Castela sempre almejou reintegrar a si.) Em conseqüência, o rei, estimulado por seus conselheiros, decidiu-se pelo assassinato de Inês, que foi degolada quando o príncipe se achava caçando fora de Coimbra, onde vivia o casal. O crime motivou um longo conflito entre o príncipe e o pai. Depois que se tornou rei, D. Pedro ordenou a exumação (desenterramento) do cadáver, para que Inês fosse coroada como rainha.
Camões, que se concentra no conflito entre o amor e os poderes perversos do mundo, não é o único nem foi o primeiro a dar tratamento literário à história de Inês de Castro, mas a sua versão paira sobre todas as outras, anteriores ou posteriores. Vários fatores concorrem para que o episódio seja dos mais admirados de "Os Lusíadas": a pungência da história, devida tanto à piedade que inspiram Inês e seus filhos, quanto ao amor constante, inconformado e revoltado de D. Pedro; a gravidade da questão envolvida, que opõe o interesse pessoal e os interesses coletivos (a "razão de Estado"), e, finalmente e sobretudo, o encanto lírico de que Camões cercou a figura de Inês, a quem atribui longo e eloquente discurso, impondo-a como um dos grandes símbolos femininos da literatura e não só da literatura de língua portuguesa.
Organização: Francisco Muriel