Os Lusíadas (1572)
NARRAÇÃO
A narração consiste, portanto, na maior parte do poema. Inicia-se "In Media Res", ou seja, em plena ação. Vasco da Gama e sua frota se dirigem para o Cabo da Boa Esperança, com o intuito de alcançarem a Índia pelo mar. Auxiliados pelos deuses Vênus e Marte e perseguidos por Baco e Netuno, os heróis lusitanos passam por diversas aventuras, sempre comprovando seu valor e fazendo prevalecer sua fé cristã. Ao pararem em Melinde, ao atingirem Calicute, ou mesmo durante a viagem, os portugueses vão contando a história dos feitos heróicos de seu povo.
Completada a viagem, são recompensados por Vênus com um momento de descanso e prazer na Ilha dos Amores, verdadeiro paraíso natural que em muito lembra a imagem que então se fazia do recém descoberto Brasil.
ESTRUTURA NARRATIVA
O poema se estrutura através de uma narrativa principal, que apresenta a
viagem da armada de Vasco da Gama. A esse fio narrativo condutor é incorporada inicialmente a narração feita por Vasco da Gama ao rei de Melinde, em que conta a história de Portugal até a sua própria viagem. Na voz do Gama, ouvem-se os feitos dos heróis portugueses anteriores a ele, como Dom Nuno Álvares Pereira, o caso de amor trágico de Inês de Castro, o relato de sua própria partida, com o irado e premonitório discurso do Velho do Restelo e o episódio do Gigante Adamastor, representação mítica do Cabo da Boa Esperança.
Em seguida são acrescentadas as narrativas feitas aos seus companheiros
pelo marinheiro Veloso, que relata o episódio dos Doze da Inglaterra. Por fim,
já na Índia, Paulo da Gama, irmão de Vasco, conta ainda outros feitos heróicos
portugueses ao Catual de Calicute.
A estrutura narrativa do poema é composta, portanto, por três narrativas
remetendo à história de Portugal, interligadas pela narração da viagem de Vasco
da Gama.
CANTO I
Proposição, invocação, início da narração (rápida referência ao fato de que os portugueses já navegavam no Oceano Índico); Consílio dos Deuses no Olimpo; em Moçambique, Quiloa e Mombaça, ciladas de Baco contra os navegadores e intervenções de Vênus e das Nereidas a favor dos portugueses; reflexões morais do poeta.
CANTO II
Em Mombaça, narram-se as maquinações e as intervenções de Vênus e das Nereidas; Vênus sobe ao Olimpo e queixa-se a Júpiter, que profetiza os feitos lusos; chegada a Melinde, onde os portugueses são bem recebidos.
CANTO III
Vasco da Gama invoca a inspiração de Calíope e inicia a narração da história de Portugal, destacando os primeiros heróis (Luso e Viriato), a fundação do País e os reis de Portugal, as batalhas de Ourique e salado e o episódio lírico-amoroso de Inês de Castro.
CANTO IV
Vasco da Gama prossegue a narração da história de Portugal: a batalha de Aljubarrota (centralização monárquica – início da Dinastia de Avis). As primeiras conquistas, a Tomada de Ceuta, o sonho profético de D. Manuel, que confia a Vasco da Gama o descobrimento do caminho marítimo para as Índias. A partir desse ponto, Vasco da Gama passa a narrar a própria viagem, a partida das naus e a advertência do Velho do Restelo (censura às navegações, representando a sobrevivência da ideologia medieval, feudal e conservadora).
CANTO V
Vasco da Gama conclui a narrativa da sua viagem. Fala do Cruzeiro do Sul, do fogo-de-santelmo, da tromba marítima, do episódio cômico do Veloso e do Gigante Adamastor(monstro de pedra que personifica o Cabo das Tormentas, simbolizando a superação do medo do “Mar Tenebroso”). De novo em Melinde, Vasco da Gama exalta a tenacidade portuguesa. Aqui se encerra o primeiro ciclo épico. Camões recrimina os portugueses pelo seu desapego à poesia.
CANTO VI
Camões retoma a narração da viagem de Melinde para as Índias. Os deuses reúnem-se no Palácio das Nereidas para o Consílio dos Deuses Marinhos. A bordo das naus, os portugueses se entretêm com a narrativa cavaleiresca do episódio dos Doze da Inglaterra (inspirada em torneios da cavalaria medieval). Meditações do poeta sobre o verdadeiro valor da glória.
CANTO VII
Os portugueses chegam a Calicute, na Índia. Camões descreve o Oriente exótico.
CANTO VIII
Paulo da Gama, atendendo a um pedido do catual (autoridade regional da Índia), explica o significado das bandeiras de Portugal e refere-se aos heróis portugueses e aos seus feitos. Camões narra os perigos enfrentados no oriente. Vasco da Gama é feito prisioneiro e é resgatado em troca de mercadorias européias. Camões tece considerações sobre a onipotência do ouro.
CANTO IX
Os portugueses iniciam a viagem de regresso. Vênus e as Ninfas preparam a “Ilha dos Amores”, prêmio e repouso para os navegadores. É a fusão dos planos histórico e mitológico.
CANTO X
Na “Ilha dos Amores”, Tétis e as Ninfas oferecem um banquete aos navegadores. Tétis mostra a Vasco da gama uma miniatura do Universo (a “Máquina do Mundo”), apontando os lugares onde os portugueses iriam praticar grandes feitos. Camões narra o episódios de São Tomé, em que se fundem o “maravilhoso cristão” (bíblico) e o “maravilhoso pagão” (mitológico) e o plano histórico. Tétis despede-se dos portugueses. Regresso à pátria. Camões lamenta a decadência de Portugal (Epílogo), faz exortação a D. Sebastião e vaticina as futuras glórias.
Através das pesquisas realizadas, concluiu-se que Camões retorna à cultura da Antigüidade Greco-romana ao metrificar perfeitamente os versos de sua epopéia, usando de uma forma constante versos com rima ABABABCC, sendo todos decassílabos heróicos e sáficos, formando estrofes com oito versos. Leva-nos, ainda, a constatar que se trata de uma obra que se deixa influencia pelo molde Clássico a escolha da epopéia, usando como modelos textos a exemplo da Odisséia e da Ilíada, de Homero. Vasco da Gama, o herói da narrativa, constitui, também, uma característica clássica, pois simboliza o poder transformador do homem sobre o mundo. Outro registro de que Camões se apóia a todo instante na tradição grega e latina da Antigüidade é a constante evocação dos deuses dos respectivos povos, registro do paganismo da época.
faz partes paganismo e serviu como base para observarmos o existente naquela sociedade na época, e, apesar disso, foi perceptível a grande valorização do humano, sendo este visto como um ser capaz e virtuoso.
Nas artes, o mesmo ponto de vista é refletido: tanto o homem era esculpido como forte, bem feito de corpo e rosto, como eram retratadas figuras míticas, endeusadas, com as mesmas características humanas. Na literatura, epopéias narravam grandes feitos de homens que tomavam a frente de sua gente, conquistando outras terras e povos. Para os clássicos, a beleza morava na perfeição, sendo perseguida arduamente. Uma escultura ou um texto só tinha valores artísticos se respeitassem certas normas.
Análise dos Cantops (uel)
Canto IV - Vasco da Gama continua narrando ao de Melindre a história dos reis portugueses, começa pelo enterro de D Fernando, que deixara como herdeira uma filha casada com o infante de Castela (Espanha), que depois da morte do pai quis anexar as terras portuguesas às de seu esposo. Porém um irmão bastardo requerio para si o trono de D. Fernando, chamava-se D. João e após longa batalha contra os de Castela - o que foi apoiado por países já em conflitos sobretudo Inglaterra e França - consegui derrotá-los após três batalhas sendo a principal a Segunda, Aljubarrota, a qual os portugueses expulsaram os invasores de suas terra. Esta vitória deu origem da Dinastia de Avis.(EST: 28-44).
28 - ( Começa a batalha )
"Deu sinal a trombeta Castelhana,
Horrendo, fero, ingente e temeroso;
Ouviu-o o monte Artabro, e Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso;
Ouviu-o o Douro e a terra Transtagana;
Correu ao mar o Tejo duvidoso;
Destaca-se nessa Batalha a figura de Nuno Alvares, chamado por Vasco da Gama de Pereira.
30 - ( Proeza de Nuno Álvares Pereira )
"Começa-se a travar a incerta guerra;
De ambas partes se move a primeira ala;
Uns leva a defensão da própria terra,
Outros as esperanças de ganhá-la;
Logo o grande Pereira, em quem se encerra
Todo o valor, primeiro se assinala:
Derriba, e encontra, e a terra enfim semeia
Dos que a tanto desejam, sendo alheia.
Após a expulsão dos inimigos vem as primeiras conquistas territoriais, as terras de Celta, hoje localizada no Estreito de Gilbratar (EST: 48-50)
48 - ( Tomada de Ceuta por Dom João I )
"Não sofre o peito forte, usado à guerra,
Não ter amigo já a quem faça dano;
E assim não tendo a quem vencer na terra,
Vai cometer as ondas do Oceano.
Este é o primeiro Rei que se desterra
Da Pátria, por fazer que o Africano
Conheça, pelas armas, quanto excede
A lei de Cristo à lei de Mafamede.
Vasco da Gama conta a histórias dos Reis D. Afonso V, D. João II e D. Manuel, quem tem um sonho profético de que fosse-se buscar no Oriente um alargamento das terras portuguesas. Esta Empresa é confiada a Vasca Da Gama.
76 - ( Reúne D. manuel e seu conselho )
"Chama o Rei os senhores a conselho,
E propõe-lhe as figuras da visão;
As palavras lhe diz do santo velho,
Que a todos foram grande admiração.
Determinam o náutico aparelho,
Para que com sublime coração
Vá a gente que mandar cortando os mares
A buscar novos climas, novos ares.
São dado os Adeuses em Belém onde um velho faz visões proféticas sobre a viagem e divaga sobre a ambição portuguesa.
94 - ( O velho do Restelo )
"Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito
Canto IX: Este canto inicia-se com o impedimento de dois feitores portugueses, encarregados de vender mercadoria, voltarem às naus portuguesas. O intuito desta manobra é esperar a chegada de uma frota muçulmana vinda de Meca. Porém um dos Indianos (Moçaide) avisa o comandante português que inicia sua partida com nobres vendedores indianos na nau o que futuramente será negociado com os dois tripulantes em terra.
12 - ( Troca dos reféns )
Manda logo os feitores Lusitanos
Com toda sua fazenda livremente
Apesar dos inimigos Maumetanos,
Por que lhe torne a sua presa gente.
Desculpas manda o Rei de seus enganos;
Recebe o Capitão de melhor mente
Os presos que as desculpas, e tornando
Alguns negros, se parte as velas dando.
Após as trocas de reféns as naus partem em regresso à Pátria carregado de novas especiarias.
17 - ( Alegria dos nautas por voltarem à pátria )
O prazer de chegar à pátria cara,
A seus penates caros e parentes,
Para contar a peregrina e rara
Navegação, os vários céus e gentes;
Vir a lograr o prêmio, que ganhara
Por tão longos trabalhos e acidentes,
Cada um tem por gosto tão perfeito,
Que o coração para ele é vaso estreito
Vênus, deusa protetora dos portugueses resolve preparar um prêmio e repouso aos nautas, e compete à seu filho, Cupido, a preparação dela. A armada avista a ilha que submerge das águas.
Mas firme a fez e imóvel, como viu
Que era dos Nautas vista e demandada;
Qual ficou Delos, tanto que pariu
Latona Febo e a Deusa à caça usada.
Para lá logo a proa o mar abriu,
Onde a costa fazia uma enseada
Curva e quieta, cuja branca areia,
Pintou de ruivas conchas Citereia.
Camões tece uma descrição da ilha divina, os marinheiros descobre a presença das ninfas na ilha e elas correm, sendo seguidas pelos nautas.Vasco da Gama encontra Tethys que justifica o motivo deste encontro maravilhoso.
Tomando-o pela mão, o leva e guia
Para o cume dum monte alto e divino,
No qual uma rica fábrica se erguia
De cristal toda, e de ouro puro e fino.
A maior parte aqui passam do dia
Em doces jogos e em prazer contino:
Ela nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras entre as flores.
O comandante é direcionado ao palácio de tethys onde desfrutará de repouso ao lado da bela Ninfa. O autor ainda faz uma reflexão sobre o sentido alegórico da ilha e exorta os que suspiram por aqueles que querem imortalizar os seus nomes.
93 - ( As flores )
E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro
Verdadeiro valor não dão à gente:
Melhor é, merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.
Desenvolvimento
. Verificação dos contextos
Europeu
Contexto histórico e Sócio-econômico:
Diferentes interpretações do homem e do mundo foram instalados na Europa neste período, desencadeando novas aspirações e descobertas. Graças ao crescente surgimento da burguesia comercial e das atividades econômicas entre os burgos europeus, as cidades foram lentamente se desenvolvendo. Esse desenvolvimento estimulou a vida urbana e o surgimento de um novo homem. Este, sobretudo, tornou-se motivo central de uma revolução na realidade européia.
As expedições oceânicas, por sua vez, alargaram a visão do homem europeu, pondo-o em contato com povos e culturas diferentes. A concepção de mundo deste homem foi-se ampliando. Não havia mais limites, pois agora ele detinha o poder sobre a terra.
Com esse aumento das rotas mercantis, a configuração do modelo sócio-econômico capitalista dá seus primeiros passos e mudam-se também as relações de trabalho. O comércio desenvolve-se sobretudo através das grandes navegações, contribuindo, então, com as divisas (dinheiro, riqueza) para a burguesia, intensificando o poder e influência desta classe.
A crise religiosa por que passou a Igreja Católica – poderosíssima durante a Idade Média - favoreceu imensamente a nova visão de mundo que o homem adquiriu. Quando Martinho Lutero propôs, na sua Reforma, que as almas podiam ser salvas desde que se arrependessem, o poder da Igreja Católica caiu por terra, visto que esta pregava que era ela quem ‘intermediava’ a comunicação homem – Deus e apenas por sua intervenção o espírito pecador teria como alcançar o paraíso.
Contexto artístico e cultural
Mudanças tão radicais que surgiram na sociedade refletiram-se também na arte. Com a realização das novas rotas comerciais, e o humanismo desperto, não era mais concebível ao homem a idéia de que era apenas um servo de Deus – consciência medieval acerca da natureza humana. O temor e a inferioridade frente ao divino desapareceu. Procurou-se, então, uma forma de expressão artística em que o homem era tido como o personagem principal e os moldes encontrados foram os da Antigüidade Clássica, da Grécia e de Roma. Por fazer nascer de novo os moldes antigos, esse período nomeou-se Renascimento ou, graças ao ênfase dado a essas referências clássicas, Classicismo. Daí imitou-se o tipo de concepção artística, que era, sobretudo, o racionalismo.
O Classicismo confere maior importância às faculdades intelectuais do que às emocionais na criação da obra de arte, porque busca a expressão de valores universais acima dos particularismos individuais ou nacionais. Busca a perfeição das formas, a harmonia das proporções, simplicidade e equilíbrio da composição e a idealização da realidade, recusando, portanto qualquer sentimentalismo ou extravagância de maneira incessante.
A filosofia da Antigüidade foi relida - graças aos arquivos dessa época que as igrejas mantiveram - e reinterpretada, agora à luz da razão. A literatura baseou-se em Homero e Virgílio para criar herói cheios de virtude e coragem. A mitologia da era clássica estava sempre presente, também, em todas as formas de arte.
Português
contexto histórico e sócio-econômico
sob o reinado de D. Manuel, Portugal gozoou de grande realizações como a descoberta do caminho marítimo para as Índias, a conquuista do Brasil, de Goa brasil
Inspirando-se no modelo da Antiguidade clássica greco-romana e no Renascentismo italiano, estabeleceu princípios ou normas, como a harmonia das proporções, a simplicidade e equilíbrio da composição e a idealização da realidade.recusa, portanto,a emotividade e exuberância decorativa do barroco.
Classicismo é a doutrina estética que dá ênfase à ordem, ao equilíbrio e à simplicidade.Os antigos gregos foram os primeiros grandes clássicos.Posteriormente, os romanos, os franceses, os inglesese e outros povos produziram movimentos clássicos.Cada grupo desenvolveu suas próprias características particulares, mas todos refletiam idéias comuns sobre a arte, o homem, o mundo.
O primeiro períedo clássico, no Ocidente, aparece na Grécia antiga e alcança o seu apogeu no séc. V e IV a.C. Os gregos exaltaram a razão o e condenaram o sentimentalismo e o exagero. Tentaram ver toda a realidade por meio de um sistema unificado que lhes desse significado e direção. Os artistas gregos mostraram a beleza numa escala humana mais do que numa escala sobrenatural. As esculturas de Fídias e Praxíteles são magníficos exemplos de figuras humanas bem proporcionadas. Ésquilo, Sófocles e Eurípedes escreveram tragédias que mostram o valor da moderação e o perigo do orgulho excessivo.
Roma
O Classicismo romano desenvolveu-se em dois estágios, a época de Cícero, de 80 a.C. a 27 a.C., e a época de Augusto, de 27 a.C. a 14 d.C. Os romano adotaram os valores Clássicos gregos. Sob a influência de Cícero, homem de Estado e tribuno, as responsabilidades cívicas ganharam um nova importância. A literatura romana atingiu o apogeu se sua realização durante o governo de Augusto, quando quase todos os escritores era clássicos.
Influência da cultura greco-latina (Paganismo): A imitação dos modelos greco-romanos da antiguidade está na base da renovação literária surgida no Renascimento que tomou o nome de Classicismo. Como nas outras artes, também na literatura isso não significa copiar, e sim recriar. Os autores clássicos mais seguidos no Classicismo foram Homero, Virgílio, Ovídio, dentre outros. Também a teoria de Platão (essência x aparência) na concepção do amor foi muito difundida.
ECLETISMO RELIGIOSO
O poema apresenta um ecletismo religioso bastante curioso. Mescla a
mitologia greco-romana a um catolicismo fervoroso. Protegidos pelos deuses, os
portugueses procuram impor aos infiéis mouros sua fé cristã. O português é visto
por Camões como representante de toda a cultura ocidental, batendo-se contra o inimigo oriental, o árabe não-cristão. Todo esse fervor religioso não impede a
utilização pelo poeta do erotismo de cunho pagão, como no episódio da Ilha dos
Amores e seus defensores lusitanos são protegidos, ao longo de todo o poema, por uma deusa pagã, Vênus. É curioso notar que a imagem clássica do deus romano Baco (o Dioniso dos gregos), amigo do vinho e do desregramento, inimigo maior dos portugueses, é a de um ser de chifres e rabo. A mesma que foi utilizada pela igreja católica para representar o demônio.
Análise
No Renascimento, o projeto de recriar os grandes gêneros da literatura greco-latina levou muitos poetas, em diversos países, a tentarem compor obras no que era considerado o gênero máximo: o épico. A epopéia (ou poema épico) é um longo poema narrativo, de estilo elevado e assunto heróico, envolvendo grandes acontecimentos do passado. Se os heróis e as façanhas são históricos ou míticos esta não é uma questão significativa para a épica antiga.
Mas era um ponto importante para Camões, que se orgulhou de estar contando em "Os Lusíadas" (1572) uma história grandiosa realmente ocorrida, verdadeira, e não falsa, inventada, como as dos heróis míticos celebrados tanto pelos gregos e romanos da Antiguidade, quanto pelos poetas de seu tempo. A estes teria faltado um tema da magnitude daquele que a história recente de Portugal oferecia a Camões: a estupenda aventura da conquista do mar e busca de terras distantes e ignoradas, que ampliaram enormemente os limites do mundo então conhecido. Com uma história dessas, com seu gênio artístico e uma extraordinária experiência de vida, Camões escreveu a melhor epopéia do Renascimento.
Nela, três histórias se superpõem e se imbricam: 1) a história da viagem de Vasco da Gama e seus marinheiros à Índia; 2) a história de Portugal, chegando até a época da viagem e antecipando acontecimentos posteriores a ela, e 3) a história dos deuses que, como forças do destino, tramam e destramam a sorte daqueles bravos portugueses que enfrentam perigos e inimigos desconhecidos para ampliar as fronteiras de seu reino e de sua religião.
Numa longa etapa da obra (cantos III-V), Vasco da Gama (herói da história 1) conta ao rei de Melinde (costa oriental da África) a história de Portugal (história 2). Entre os acontecimentos notáveis do passado português, o capitão se detém no relato dos eventos que envolveram Inês de Castro, compondo um dos mais belos episódios do poema (canto III, estrofes 118-135). Trágico conto de amor, é a história daquela "que depois de ser morta foi rainha".
O fato relatado por Camões foi registrado por cronistas da época e pode, em seus dados históricos, ser assim resumido. Dona Inês, da importantíssima família castelhana Castro, veio a Portugal como dama de companhia da princesa Constança, noiva de D. Pedro, herdeiro do rei D. Afonso 4º. O príncipe apaixonou-se loucamente pela moça, de quem teve filhos ainda em vida da princesa, sua esposa. Com a morte desta, em 1435, ter-se-ia casado clandestinamente com Inês, segundo o que ele mesmo declarou tempos depois, quando já se tornara rei. Talvez tal declaração, embora solene, fosse falsa; é fato, porém, que o príncipe rejeitou diversos casamentos, politicamente convenientes, que lhe foram propostos depois que ficou viúvo.
A ligação entre o príncipe e sua amante não foi bem vista pelo rei, que temia fosse seu filho envolvido em manobras pró-Castela da família de Pérez de Castro, pai de Inês. (Aqui é preciso lembrar que o conflito entre Portugal e Castela, ou seja, a Espanha, remonta à fundação de Portugal, que nasceu de um desmembramento do território castelhano e que Castela sempre almejou reintegrar a si.) Em conseqüência, o rei, estimulado por seus conselheiros, decidiu-se pelo assassinato de Inês, que foi degolada quando o príncipe se achava caçando fora de Coimbra, onde vivia o casal. O crime motivou um longo conflito entre o príncipe e o pai. Depois que se tornou rei, D. Pedro ordenou a exumação (desenterramento) do cadáver, para que Inês fosse coroada como rainha.
Camões, que se concentra no conflito entre o amor e os poderes perversos do mundo, não é o único nem foi o primeiro a dar tratamento literário à história de Inês de Castro, mas a sua versão paira sobre todas as outras, anteriores ou posteriores. Vários fatores concorrem para que o episódio seja dos mais admirados de "Os Lusíadas": a pungência da história, devida tanto à piedade que inspiram Inês e seus filhos, quanto ao amor constante, inconformado e revoltado de D. Pedro; a gravidade da questão envolvida, que opõe o interesse pessoal e os interesses coletivos (a "razão de Estado"), e, finalmente e sobretudo, o encanto lírico de que Camões cercou a figura de Inês, a quem atribui longo e eloquente discurso, impondo-a como um dos grandes símbolos femininos da literatura e não só da literatura de língua portuguesa.
No Renascimento, o projeto de recriar os grandes gêneros da literatura greco-latina levou muitos poetas, em diversos países, a tentarem compor obras no que era considerado o gênero máximo: o épico. A epopéia (ou poema épico) é um longo poema narrativo, de estilo elevado e assunto heróico, envolvendo grandes acontecimentos do passado. Se os heróis e as façanhas são históricos ou míticos esta não é uma questão significativa para a épica antiga.
Mas era um ponto importante para Camões, que se orgulhou de estar contando em "Os Lusíadas" (1572) uma história grandiosa realmente ocorrida, verdadeira, e não falsa, inventada, como as dos heróis míticos celebrados tanto pelos gregos e romanos da Antiguidade, quanto pelos poetas de seu tempo. A estes teria faltado um tema da magnitude daquele que a história recente de Portugal oferecia a Camões: a estupenda aventura da conquista do mar e busca de terras distantes e ignoradas, que ampliaram enormemente os limites do mundo então conhecido. Com uma história dessas, com seu gênio artístico e uma extraordinária experiência de vida, Camões escreveu a melhor epopéia do Renascimento.
Nela, três histórias se superpõem e se imbricam: 1) a história da viagem de Vasco da Gama e seus marinheiros à Índia; 2) a história de Portugal, chegando até a época da viagem e antecipando acontecimentos posteriores a ela, e 3) a história dos deuses que, como forças do destino, tramam e destramam a sorte daqueles bravos portugueses que enfrentam perigos e inimigos desconhecidos para ampliar as fronteiras de seu reino e de sua religião.
Numa longa etapa da obra (cantos III-V), Vasco da Gama (herói da história 1) conta ao rei de Melinde (costa oriental da África) a história de Portugal (história 2). Entre os acontecimentos notáveis do passado português, o capitão se detém no relato dos eventos que envolveram Inês de Castro, compondo um dos mais belos episódios do poema (canto III, estrofes 118-135). Trágico conto de amor, é a história daquela "que depois de ser morta foi rainha".
O fato relatado por Camões foi registrado por cronistas da época e pode, em seus dados históricos, ser assim resumido. Dona Inês, da importantíssima família castelhana Castro, veio a Portugal como dama de companhia da princesa Constança, noiva de D. Pedro, herdeiro do rei D. Afonso 4º. O príncipe apaixonou-se loucamente pela moça, de quem teve filhos ainda em vida da princesa, sua esposa. Com a morte desta, em 1435, ter-se-ia casado clandestinamente com Inês, segundo o que ele mesmo declarou tempos depois, quando já se tornara rei. Talvez tal declaração, embora solene, fosse falsa; é fato, porém, que o príncipe rejeitou diversos casamentos, politicamente convenientes, que lhe foram propostos depois que ficou viúvo.
A ligação entre o príncipe e sua amante não foi bem vista pelo rei, que temia fosse seu filho envolvido em manobras pró-Castela da família de Pérez de Castro, pai de Inês. (Aqui é preciso lembrar que o conflito entre Portugal e Castela, ou seja, a Espanha, remonta à fundação de Portugal, que nasceu de um desmembramento do território castelhano e que Castela sempre almejou reintegrar a si.) Em conseqüência, o rei, estimulado por seus conselheiros, decidiu-se pelo assassinato de Inês, que foi degolada quando o príncipe se achava caçando fora de Coimbra, onde vivia o casal. O crime motivou um longo conflito entre o príncipe e o pai. Depois que se tornou rei, D. Pedro ordenou a exumação (desenterramento) do cadáver, para que Inês fosse coroada como rainha.
Camões, que se concentra no conflito entre o amor e os poderes perversos do mundo, não é o único nem foi o primeiro a dar tratamento literário à história de Inês de Castro, mas a sua versão paira sobre todas as outras, anteriores ou posteriores. Vários fatores concorrem para que o episódio seja dos mais admirados de "Os Lusíadas": a pungência da história, devida tanto à piedade que inspiram Inês e seus filhos, quanto ao amor constante, inconformado e revoltado de D. Pedro; a gravidade da questão envolvida, que opõe o interesse pessoal e os interesses coletivos (a "razão de Estado"), e, finalmente e sobretudo, o encanto lírico de que Camões cercou a figura de Inês, a quem atribui longo e eloquente discurso, impondo-a como um dos grandes símbolos femininos da literatura e não só da literatura de língua portuguesa.
Organização: Francisco Muriel
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