A Relação entre protagonista e o espaço
Considerando que o protagonista seja:
“a personagem principal de uma peça de teatro, livro, filme, etc..” (minidicionário Houaiss da língua Portuguesa).
Então, encontrar-no-emos diante de uma difícil tarefa, que é definirmos esse protagonista em uma obra de “realismo fantástico”. Especificamente, no caso de “Sombras de Reis Barbudos”, oscila-se entre dar esse título ao narrador que relata, através de flash-back, os acontecimentos que se ocorreram em Taitara desde a chegada da “Companhia de Melhoramentos”, ou considerar como a personagem principal, a própria “Companhia”, que transforma, a vida de todos as famílias e cidadãos de Taitara, inclusive a de Lu, garoto de doze ou treze anos que, na tentativa de compreender o que se passou, reconstruindo em tom memorialista, narra os fatos ocorridos desde de a chegada da Companhia.
Para-se aqui, para lembrar o movimento literário ocorrido no século anterior que se assimilava, em algumas características, a esse novo tipo de realismo. A ele, damos o nome de Realimo-Naturalismo, e em algumas obras desse estilo, o protagonista são coisas abstratas como instituições (seminários, colégios) ou simples espaços (Minas de Carvão, Favelas, cidadelas). Assim, considera-se aqui, a possibilidade de a Companhia ser sim a personagem protagonista da obra.
Contudo, nossa análise verá como protagonista o jovem Lu, narrador que participa passivamente da história, sofrendo com as normas e proibições da Companhia.
Resolvido a problematização do protagonista podemos passar a tratar do espaço. Para esse intento, há mister fazer uma análise sobre o autor e os ambientes de suas obras assim como de obras fundamentais do Realismo Fantástico.
Os ambientes de obras desse Realismo Fantástico são reproduções de ambientes cotidianos e corriqueiro (é o que vê-se a cidadela de “A Metamorfose” ou a cidade mais urbanizada de “O Processo” ambas de Kafka) , que faz com que os leitor o reconheçam. Mas eles vêm ausente de uma concisão geográfica, ou seja, não está no lado da linha do real(aqui os contos fabulares servem de ótimo exemplo, por indeterminar o lugar e o tempo. Ex: Era uma vez (...) em um bosque distante), já que estes tipos de narrativa vão a todo momento irromper a barreira do real e do imaginário. Isso faz com que o regional se torne universal e o individual, coletivo.
Cai-se, assim, na análise de como J.J. Veiga trata seus ambientes, fugindo da linha Regionalista tradicional, para adentrar ao Regionalismo fantástico, voltando-se para terra, revivendo aspectos regionais de Goiás, embora não claramente explícito, mas com um texto marcado com traços regionais: fixação de tipos; costumes e linguagens locais. Então o autor consegue, quase num processo surrealístico, que a paisagem rural (Goiânia) ou de pequena cidade, torne-se como tantos lugares no brasil ou no mundo. Veiga foge ao processo do regionalismo padrão, ou ortodoxo, por processos de construções inventivas, com temas contemporâneos, tratados num universo que pode estar em qualquer tempo e em qualquer lugar, mas sempre pequeno.
Em Sombras de Reis Barbudos, Veiga tece um ambiente típico de suas narrativas, uma cidadela que vive em aparente calma, até que a chegada da Companhia que primeiro causa esperança e depois medo e repressão. O protagonista participa dos fatos narrados, fatos que não são explicados, apenas registram-se como em um pesadelo. É dessa forma que o protagonista se relaciona com seu espaço (a cidade de Tatiara) registrando não só ocorrera com a sua família, mas com toda a sua comunidade.
Além de o garoto Lu ser o narrador dos acontecimentos, pode-se considerá-lo como o representante dessa cidade, que assim como ele sofre com as normas surreais da Companhia, passa a indagar sobre o destino do homem oprimido por violência de diferentes tipos de poder, expondo também o conflito entre o novo e o antigo, o rural e o urbano e como esse conflito se torna resultado de uma invasão do progresso, tornando-se símbolo do mundo contemporâneo.
Sua relação com os demais da cidade rompe-se no momento em que todos passam a voar, ou imaginar que voam, e fogem da cidade, postura não tomada por Lu. Ou seja, ele não abandona sua cidade, mas triste com as casas abandonadas, começa a escrever.
Uma última relação que poderíamos fazer entre o protagonista e o espaço, seria no quisito universalizador que tanto o protagonista quanto o espaço, carregam consigo. Ser criança e passar, daí, a homem, responsável pela mãe. Morar em uma cidadela, ser desprezado por amigos, e muitas outras características universalizam o protagonista. O mesmo ocorre com o espaço que antes fora uma cidade calma e tranqüila e que pela perda desse equilíbrio se tornou deserta e vazia, com suas ruas cobertas com capim e abandonada ao tempo.
A Função do Narrador na Elaboração das Potencialidades significativas do Romance.
Como já visto em tópicos anteriores, em Sombras de Reis Barbudos, os fatos são narrados em primeira pessoa, isto é, o personagem principal – protagonista – conta a sua história, revelando, do seu ponto de vista, os acontecidos. Há um grande envolvimento do eu, como alguém que viveu esses fatos. Este menino-narrador chama-se Lu, que passa pelos episódios da história se perguntando o que está acontecendo, como se fosse uma história realista e psicológica.
Assim como vários personagens e personagens-narradores do realismo fantástico, o menino Lu mostrará-se paciente e não agente. Basta lembrar do pobre Gregor Samsa de “A Metamorfose” que sem mais, sem menos, sem saber se um castigo de Deuses ou se Imprudência dos deuses, acorda transformado em um Inseto. “Quando certa manhã Gregor Samsa acordou(...) encontrou-se em sua cama metamorfoseado...”. Ou ainda quando Joseph K.- protagonista de “O Processo”, também de Franz Kafka – é acordado por dois funcionários da justiça que lhe comunicam que está preso, sem esclarecer-lhes o motivo. Esse sujeito paciente sofre as conseqüências de uma fatalidade, possuindo, assim, a tipicidade de um herói trágico – salvo por se tratar de um herói popular (mimese inferior) enquanto na tragédia clássica predomina o herói de família nobre ou descendente dos deuses (mimese superior) - pois é vítima do destino, que o submete a degradação, sem que tenha culpa alguma.
É dessa forma que J.J. Veiga, usará o jovem Lu nas potencialidades significativas desse romance, porque dá a ele a responsabilidade de refletir sobre os valores e sobre as emoções humana, se mostrando em defesa do maior significado do existir humano: a liberdade. A medida em que Lu escreve, a pedido da mãe, a história da cidade, afasta-se da realidade que se confunde com uma reprodução do existente e traça uma procura da verdade humana, indagando sobre o destino do homem oprimido por violência de diferentes tipos de poder.
Enumeramos uma primeira função desse narrador, que é simbolizar um conflito que se instaura, após um estranhamento, entre dois ambientes ou duas culturas, bipolarizando o esse conflito entre: urbano x rural; nacionais x universais; racional x psicológico. No caso da significação da obra, esse conflito pode ser entendido como os avanços técnicos que são percebidos como estranho e misterioso. Surge o absurdo, como os muros, os urubus, as proibições, ou até mesmo a vontade de voar e ser livre, submergir aos muros das proibições que pode ser lida como a burocracia da Instituições que rege o mundo moderno. Desse conflito faz parte uma temática de rejeição da modernização tecnológica acompanhada de uma forma administrativa desagregadora da estrutura coletiva e familiar. Modalidades diversas de normas e fiscalizações saltam do espaço de empresa ou fábrica, para burocratizar a vida habitual dos cidadãos. Sem dúvida, essa ficção é uma figura do embate sofrido pelos povos subdesenvolvido frente à tecnologia industrial massificante.
Uma Segunda função significativa para o nosso narrador seria o do ser que é sujeito a punições diante a uma sociedade burocrática. Ou como disse Michel Foucault, “um poder de punir correria ao longo de toda a rede social, agindo em cada um de seus pontos(...) a punição generalizada(...) se organiza pelo próprio poder “.
Para finalizar analisaremos o narrador Lu, ao contrários dos heróis Kafkiano - que cedem ao sistema agonizando em seu fim de existência - como símbolo de resistência às normas de um mundo burocratizado. É o que se vê em Sombras de Reis Barbudos quando o menino-homem Lu, diferente dos demais cidadão que saem voando (se Libertam), insiste em permanecer na cidade, cultivando uma horta para sobrevivência sua e de sua mãe. Ao “terminar” da história vemos Lu negociando um novo emprego com entregador, mesmo sabendo que não haverá entrega pois todos saíram voando da cidade. Fica-nos a lição da esperança que se perdura mesmo diante do impossível, e o acreditar que tudo se restabelecerá como no início, quando a Companhia ainda não chegara.
Elaborado por Francisco Muriel. (análise apresentada à discplina de LIteratura Brasileira III, no curso de linceitura em Letras Vernáculas e Clássicas da Uel-Londrina)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Gostei da sua análise, bem detalhada e resumida, parabéns.
Postar um comentário