segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Pompéia: Fonte do Latim Vulgar (filologia)

Pompéia: Fonte do Latim Vulgar
Baseando-se nos escrito das paredes da cidade de Pompéia, destruída pela erupção do vulcão Vesúvio , em 79 de nossa era, este trabalho buscará mostrar que as mensagens grafadas - os graffiti, do latim graphium, ou inscrições parietais - a carvão, nos muros da cidade arrasada, transformaram-se em preciosíssima fonte para os pesquisadores e estudiosos do latim vulgar. São mensagens baseadas em diversos temas como convites sedutores, conselhos, declarações de amor ou ódio, inveja, erotismo, súplicas etc., que mostram a linguagem corrente das classes incultas de Roma da época.
Há exatamente 2026 anos, no dia 24 de agosto de 79 de nossa era, data que deve ser relembrada por pesquisadores e estudiosos do latim vulgar, uma chuva de cinzas e pedra-pomes e sucessivos tremores de terra transformaram o dia, na cidade da Itália, às margens do Mar Tirreno, em noite e destruíram tudo e todos que se opunham a sua passagem.
As cidades de Pompéia e Herculano, no sul da Itália, permaneceram, durante muito tempo, soterradas pela erupção violenta do vulcão,. sob metros e metros de cinzas e pedras. Anos mais tarde, os pesquisadores efetuaram escavações na área soterrada e descobriram um vasto material arqueológico e lingüístico. A vantagem desta descoberta deve-se ao fato de que as mensagens têm um caráter lingüístico e social , revelando duas faces de uma mesma moeda. De um lado, forneceu-nos uma visão da forma de vida da sociedade de uma cidade da provincial, de outro, levou-nos ao estudo das alterações fonéticas, morfológicas e sintáticas de uma das fases da língua latina: o latim vulgar.
Os graffiti contribuíram para o estudo filológico e lingüístico na reconstituição do latim vulgar falado. A epigrafia, ciência que se ocupa da leitura, interpretação e datação das inscrições antigas em material resistente como pedras, metal, argila, cera, etc., em muito contribuiu para o estudo da reconstituição do latim vulgar.
O latim vulgar (vulgo (latim) = povo) ou latim corrente, em oposição ao latim clássico, norma culta do latim, está documentado em textos epigráficos, em textos literários e indiretamente nas línguas românicas. Não conhecemos na totalidade o latim vulgar. O que há, na verdade, são vestígios através dos quais os filólogos tentam reconstituir o que teria sido o latim vulgar.
As inscrições de Pompéia foram estudas por Väänänen, na Le latin Vulgaire des Inscriptions Pompéiennes, Helsinki,1937 (2ª ed.,1958) e reunidas no Corpus Inscriptionum Latinarum, conhecido pela sigla CIL, obra grandiosa editada pela Academia das Ciências de Berlim, iniciada em 1863 e ainda incompleta. Dos dezesseis volumes que compõem esta obra, que reúne inscrições de diversas cidades e regiões, o quarto volume é de grande relevância. Nele, encontram-se registradas as inscrições parietais, gravadas com estiletes, e em menor escala a carvão, em paredes, monumentos, muros, banheiros etc.
Há cerca de 15000 inscrições parietais recolhidas de Pompéia registradas no CIL. Os graffiti são bastante numerosos e diversificados, pelo hábito dos seus habitantes de todas as faixas etárias de rabiscarem as paredes com carvão. O nível de língua das inscrições parietais pompeianas varia bastante. Os habitantes locais zombavam do próprio hábito de rabiscarem as paredes numa linguagem bastante literária, conforme atesta o trecho abaixo:
Admiror, paries, te non cecidisse ruinis, qui tot scriptorum taedia sustineas.
(CIL, IV, 1904)
Admira-me, parede, não teres caído em ruínas, tu que agüenta o tédio de tantos escritores.

Entretanto, para este trabalho interessam apenas os textos que revelam traços típicos do latim vulgar, como no exemplo:
Quisquis ama, valia,
Peria qui nosci amare!
Bis tanti peria quisquis
Amare vota.
CIL,IV, 1173)

Viva todo aquele que ama,
pereça quem não sabe amar!
Duas vezes pereça com tanta intensidade todo aquele que
proíbe o ato de amar

Nele, cabe ressaltar os seguintes elementos:
a) a alta expressividade das antíteses empregadas:
valeat x pereat
amat x nescit amare
amat x amare vetat
b) as consoantes finais da desinência de terceira pessoa do singular (-t) dos verbos de modo finito apocopavam-se.
ama (-t);
valia (-t) ( = valeat)
peria (-t) ( = pereat);
vota (-t);
nosci (-t) ( = nescit);
c) a força da analogia na linguagem corrente em non scit empregado pelo tradicional : nescit
(ne-scio,-ivi,(-ii),-itum: não saber.);
d) a ultracorreção (ou hiperurbanismo) no uso do genitivo de preço:
bis tanti pelo usual bis tanto;
(o genitivo de preço é usado em concorrência com o ablativo de preço para indicar que a avaliação é feita de um modo mais geral, sendo particularmente freqüente com o genitivo de adjetivos e pronomes indefinidos quantitativos como: tanti, quanti etc)
e) uso intenso de arcaísmos:
vota < veta (-t);
f) há no vocábulo valia a evolução do hiato -ea para o ditongo -ia
valia (ditongo)(valeo,-ui,-itum) (e longo de estado): ser forte, ter saúde.(vale!);
Antevendo a palatalização que há em português, conforme vemos a seguir:
valia > valha
l(e,i) + vogal > -lh-: palea > palha;
folia > folha;
juliu > julho;
Assim conclui-se a análise de algumas das inscrições palietais encontradas em nos escombros de Pompéia, ciente de que fica em aberto a análise de várias inscrições que se encontram lá.






Bibliografia:
AUERBACH, Eric. Introdução aos Estudos Literários.Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1972.

BASSETTO, Bruno Fregni. Elementos de Filologia Românica: história externa das línguas. São Paulo: USP, 2001, v.1.

COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática Histórica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976.

ELIA, Silvio Edmundo. Preparação à Lingüística Românica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979.

ILARI, Rodolfo. Lingüística Românica. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2000.

SILVA NETO, Serafim. Manuel de Filologia Portuguesa. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1952.

TORRINHA, Francisco. Dicionário Latino-Português. 7ª ed. Porto: Gráficos Reunidos, [s / d.].

VÄÄNÄNEN, Veikko. Introducción al latin vulgar. Trad. Manuel Carrión. Madrid: Gredos, 1967.
Organização: Professor Francisco Muriel

Um comentário:

Anônimo disse...

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