Carlos Drummond de Andrade – “A Rosa do Povo”
O Poeta: Drummond (1902-1987) nasceu em Itabira (MG), fez seus estudos em colégio interno em Belo Horizonte, ate voltar para Itabira, por motivos de doença. Voltou novamente ao internato, porém , agora, no Estado do Rio de Janeiro, o mesmo onde seria expulso anos mais tarde. Formou-se em São Paulo no curso de farmácia - profissão que nunca desempenhou - e como redator de “O Diário de Minas” entrou em contato com os modernistas paulistas. Em 1934, entra para o funcionalismo público e muda-se novamente para o Rio, até que em Agosto de 1987, doze dias depois das morte de sua única filha, faleceu.
Pelo grande número de composições, a análise de suas características, partindo de um único estilo, seria impossível. De acontecimentos Banais, corriqueiros, gestos ou paisagens simples o poeta extrai poesia.
Uma grande porcentagem desses poemas funcionam como denúncia de opressão (DITADURA) e pela violência que marcou a 2º Guerra Mundial. Surge, então, uma literatura com um forte engajamento social. A consciência de estar vivendo um grande marco na história produz a indagação indagação filosófica sobre o sentido da vida.(EXISTÊNCIALSMO). Suas primeiras obras eram verdadeiros “Saudosismos” de sua infância e sua terra natal, depois, a partir da análise de sua experiência individual, da convivência com outros homens, suas obras ganham passa a refletir sobre o existir humana e até mesmo da existência de Deus. De sua Vasta produção, com mais de trinta publicações reunindo crônicas, poesias e contos, pode-se destacar: “Algumas Poesias, A Rosa do Povo, Amar se Aprende Amando e Contos de Aprendizes”.
Característica: Desde o seu batismo de fogo em 1928, com a publicação do célebre “No Meio do Caminho”, na Revista de Antropofagia, Drummond ficou conhecido como “o poeta da pedra”. Ao invés de se sentir ofendido com tal apelido, de origem pejorativa, pois a dureza e até a frieza da pedra marcam a poesia sua poesia, pois ela é dotada não de uma insensibilidade, mas de uma afetividade contida. Torna-se, portanto, um dos pilares da poesia moderna (junto de Bandeira e João Cabral), afastando do lugar nobre de nossa literatura o melodrama, a emoção desbragada, descontrolada e descabelada que por muito tempo imperaram por aqui. Dessa forma, vai sempre se mostrar um eu-lírico discreto ao sentir o seu círculo e o seu mundo até mesmo quando vaza críticas, muitas vezes feitas sob a perspectiva da ironia. Aliás, essa figura de linguagem é muito comum na estética do autor, pois pode ser entendida como uma forma torta de dizer as coisas. Tal caráter está não só na linguagem, mas também pode ser encontrado na maneira deslocada como se relaciona com o seu mundo, o que pode ser justificado pela sua origem, pois é um homem de herança rural, filho de fazendeiros, que acaba se encontrando no ambiente urbano. No entanto, ao invés de esse seu sem jeito tornar-se elemento pejorativo, acaba por dar-lhe uma potência fenomenal na análise social e existencial. Posto à margem do sistema, consegue ter uma visão mais clara e menos comprometida pela alienação dos que se preocupam em cumprir seus compromissos rotineiros. Eis o grande feito de Rosa do Povo.
Contexto Histórico para a produção de “A Rosa do Povo”.
Os Poemas deste livro formam escrito entre 1943 a 1945, período que corresponde:
No Mundo: Os horrores da Guerra assolava o mundo com suas atrocidades. Tudo por causa das Ditaduras de Hitlher (NAZISMO) e Mussolini (FACISMO) e do retalhamento dos países aliados. Neste período, a União Soviética apertava o cerco contra as tropas nazistas e as maiorias das tropas alemãs tinham sida desbaratadas no leste europeu. Por isso, o mundo comovia-se com a ação heróica dos russos (Comunista) e o confronto político (CAPITALISMO X COMUNISMO) que se desenhara desde 1917 (REVOLUÇÃO RUSSA), estava momentaneamente eslipsado na união contra o Nazismo e o Fascismo. Passo-se, então, por partes dos intelectuais ocidentais, a se Ter uma certa empatia não só com o povo russo mais também com o regime comunista.
No Brasil: entre 1937 e 1945, o Brasil assistiu ao “Estado Novo”, Ditadura de Getúlio Vargas que já havia sido o Governo provisório entre 1930 e 1934, criando nesse período a 3º Constituição do Brasil, em que apresentava propostas como o voto secreto, o voto feminino, salário mínimo, jornada de oito horas de trabalho e féria , etc.. Entre 1934 e 1937, Getúlio governa em uma fase Constitucional. Neste período surge o Fascismo e o Nazismo e em 1937 Vargas - diante de eleições marcadas e da consciência de que não venceria - Vargas decreta o “Plano Cohen”, que implantava a Ditadura como proteção contra o os regimes supracitados. Em 1939, começa a Segunda Guerra Mundial e o Brasil, em 1943 é intimado pelos EUA a entrar na guerra em favor dos Países Aliados, sofrendo sanções econômicas se não participassem. Com esta ação contraditória, Vargas vê o declínio de seu governo e a perda de apoios importantes, principalmente dos intelectuais, que dele receberam altos cargos públicos em troca de apoio.
A Rosa do povo
Obra-chave dentro da produção de Drummond, A rosa do povo, publicada em 1945, reflete a maturidade que o poeta alcançou desde sua estréia. Nela, conforme já se afirmou, além de acentuado progresso técnico-formal, estão presentes duas conquistas decisivas para a evolução de nossa literatura: o realismo social, particularmente penetrante e que não se restringe, apenas ao lirismo da poesia engajada; a poesia metapoética, alimentada pela reflexão introspectiva sobre o sentido da escrita como obra de arte. Este é o mais extenso e o mais variado dos livros de Drummond ( 55 poemas, alguns longos). Nele desfilam os principais temas de sua obra; o verso livre e a estrofação irregular alternam com versos de métrica tradicional dispostos em estrofes regulares; o estilo ora é "puro"(elevado, "poético" ), ora é "mesclado"(mistura de elevado e vulgar, sério e grotesco). Livro difícil, é dos mais discutidos e apreciados da poesia moderna brasileira. Obra de linguagem poética com participação social. Os poemas de A rosa do povo foram escritos nos anos sombrios da ditadura de Vargas e da Segunda Guerra Mundial. Os acontecimentos provocam o poeta, que se aproxima da ideologia revolucionária anticapitalista de inspiração socialista, e manifesta sua revolta e sua esperança em poemas indignados e intenso. Temas: eu-estar no mundo ( o amor, a família, o tempo, a velhice), a metapoesia (poesia pela própria poesia), eu igual ao mundo,... Portanto, em A rosa do povo, o poeta testemunha sua reação ante a dor coletiva e a miséria do mundo moderno, com seu mecanismo, seu materialismo, sua falta de humanidade. Essa fase enriqueceu sua essencialidade lírica e emocional, e, através da profunda consciência artística, o poeta atingiu a plenitude, a cristalização, a humanização, sob a forma suave e terna, em que o itabirano mergulha no lençol profundo de sua província e de seus antepassados, para melhor compreender a "máquina do mundo", a angústia de seu tempo, o desarvoramento do homem contemporâneo, com um largo sentimento de fraternidade.
Divisões Temáticas :
A partir de uma divasão feita pelo próprio autor em sua “Antoilogia Poética”, podemos elencar sete temas básicos em “A Rosa do Povo”. Claro que devemos frisar que alguns poemas podem ser enquadrado em mais de um tipo de temas:
1 – A poesia social;
2 – A poesia existencial;
3 – A posia sobre a própria poesia;
4 – O passado;
5 – O amor;
6 – O cotidiano;
7 – Os Amigos;
1- A poesia social: Trata-se da angustia do eu-lírico frente as atrocidades da guerra e do mundo. A partir daí, o poeta torna-se compromissado com a humanidade. Passa-se então, a não Ter uma preocupação com o estado subjetivo do poeta, como também toda a sociedade. Podemos encontrar em na obra: a – A culpa e a responsabiilidade moral; b – O registro puro e simples da ordem política, c – A passagem da náusea para uma perspectiva de nova sociedade; d – A celebração da Nova Ordem. São desta temática poemas como Nosso Tempo, Carrego Comigo, Áporo, Notícias, Carta a Stalingrado, e mais de 20 poemas do livro.
2- Poesia de reflexão existencial: Alguns vêem enlaçados com a poesia de engajamento social e político, outros se sobressaem quanto a interrogação existencial. Estes, são centram-se mais na subjetividade do poeta, desvelando, assim, a impotência do eu-lírico em estabelecer vias comunicantes com os demais seres. Trata-se de uma solidão terrível, pois ela ocorre na grande cidade, cidade antrpofágica e impassível, onde o indivíduo caminha imperceptível por uma multidão sem rostos. Fazem parte deste veio temático: Anoitecer, Desfile, Passagem do Ano, Morte de Avião, entre outros.
3- A Poesia sobre a poesia: a reflexão metapoética constituem uma das vertentes dominantes na obra de Drummond. A poesia é tematizada, na forma característica de poema sobre o poema, e discute o ofício de escrever, a construção do texto, o âmago da linguagem. Os dois poemas que abrem A Rosa do Povo (Considerações do Poema e Procura da Poesia), revela a importância que o peta dá sobre a problematização deste tema.
4- Poesia sobre o passado: As idéias do passado e de suas infinitas recordações afeta profundamente a recordação do Poeta. Em resumo, o passado é apresentado da seguinte maneira: o registro realista do quadro familiar, socio-cultural do interior mineiro no qual passara a infância; evocação de um mundo estritamente pessoal, formado por fatos, palavras e sentimentos que tiveram eco ou atingiram a subjetividade do menino Drummond; a projeção do passado no presente. Poemas: Como um presente, Retrato de Família, etc..
5- Poesia sobre o amor: a questão amorosa ocupa espaço mínimo na obra, com apenas um poema sobre o assunto. “O Mito”. Nele o procedimento humorístico exerce função corrosiva, pondo em xeque todos os valores humanos . e o humor já aparece no título que tem um amplo sentido: um ser ideal (a pessoa amada), o Grande Amor (paixões que a séculos percorria a cultura ocidental.
6- Poesia de Cotidiano: Embora vários texto de tema social de Drummond retratem a vida diária com grande vigor e a inclinação participante do poeta dão a estes versos uma dimensão explicitsamente enganjada, há algo que não encontramos nesses poemas nos de temática cotidiana. Neles, o autor narra ou conta histórias quase como um repórter de linguagem apurada. Em geral são os de leituras mais acessíveis, o que não lhes retiram a beleza. São eles: A morte do leiteiro, Caso de vestido, etc..
7- Os amigos: Em vários de seus livros, o autor faz louvações a personalidades que marcaram a sua existência, seja pela amizade ou seja pela grandeza artística/humana nas obras que produziram. Em A Rosa do Povo, duas longas Odes expressam a referida tendência: Mario de Andrade desce aos infernos e a Flor e a Náusea.
A FLOR E A NÁUSEA
Preso à minha classe e a algumas roupas,/vou de branco pela rua cinzenta./ Melancolias, mercadorias espreitam-me./ Devo seguir até o enjôo?\ Posso, sem armas, revoltar-me?/Olhos sujos no relógio da torre:/Não, o tempo não chegou de completa justiça./O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera./O tempo pobre, o poeta pobre/fundem-se no mesmo impasse./Em vão me tento explicar, os muros são surdos. /Sob a pele das palavras há cifras e códigos./ O sol consola os doentes e não os renova./As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase./Uma flor nasceu na rua!/Vomitar esse tédio sobre a cidade./Quarenta anos e nenhum problema /resolvido, sequer colocado./ Nenhuma carta escrita nem recebida./Todos os homens voltam para casa./Estão menos livres mas levam jornais /E soletram o mundo, sabendo que o perdem./Crimes da terra, como perdoá-los?/Tomei parte em muitos, outros escondi./Alguns achei belos, foram publicados./Crimes suaves, que ajudam a viver./Ração diária de erro, distribuída em casa/Os ferozes padeiros do mal./Os ferozes leiteiros do mal./Pôr fogo em tudo, inclusive em mim./Ao menino de 1918 chamavam anarquista/Porém meu ódio é o melhor de mim//Com ele me salvo//e dou a poucos uma esperança mínima./Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego./Uma flor ainda desbotada//ilude a polícia, rompe o asfalto./Façam completo silêncio, paralisem os negócios/garanto que uma flor nasceu/Sua cor não se percebe/Suas pétalas não se abrem/Seu nome não está nos livros//É feia. Mas é realmente uma flor. /Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde/e lentamente passo a mão nessa forma insegura./Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se/Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico./É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Nota-se no poema um eu-lírico mergulhado num mundo sufocante, em que tudo é igualado a mercadoria, tudo é tratado como matéria de consumo. Em meio a essa angústia, a existência corre o risco de se mostrar inútil, insignificante, o que justificaria a náusea, o mal-estar. Tudo se torna baixo, vil, marcado por “fezes, maus poemas, alucinações”.
No entanto, em meio a essa clausura sócio-existencial (que pode ser representada pela imagem, na terceira estrofe, do muro), o poeta vislumbra uma saída. Não se trata de idealismo ou mesmo de alienação – o poeta já deu sinais claros no texto de que não é capaz disso. Ou seja, não está imaginando, fantasiando uma mudança – ela de fato está para ocorrer, tanto que já é vislumbrada na última estrofe, com o anúncio de nuvens avolumando-se e das galinhas em pânico. É o nascimento da rosa, símbolo do desabrochar de um mundo novo, o que mantém o poeta vivo em meio a tanto desencanto.
Dois pontos ainda merecem ser observados no presente poema. O primeiro é o fato de que ele, além de ser o resumo das grandes temáticas da obra, acaba por explicar o seu título. Basta notar que, conforme dito no parágrafo anterior, a rosa indica o desabrochar de uma nova realidade, tão esperada pelo poeta. E a expressão “do povo” pode estar ligada a uma tendência esquerdista, socialista, muito presente em vários momentos do livro e anunciadas pela crítica ao universo capitalista na primeira (“Melancolias, mercadorias espreitam-me.”) e terceira estrofes (“Sob a pele das palavras há cifras e códigos.”). O novo mundo, portanto, teria características socialistas.
O outro item é visto pelo estreito relacionamento que “A Flor e a Náusea” estabelece com o poema a seguir, “Áporo”, um dos mais estudados, densos, complexos e enigmáticos da Literatura Brasileira.
Organiação: Professor Francisco Muriel
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